01/10/2014 07:00 - O Globo
"Tenho 66 anos, sou casado, tenho dois filhos e uma neta.
Nasci no Zimbábue, onde vivi até 1983. Fui para Melbourne, na Austrália, para
criar projetos que atraíssem a população de volta ao Centro, que era tomado
apenas por prédios comerciais. O maior desafio é impedir a expansão da cidade e
adaptá-la às mudanças climáticas”
Entrevista
Conte algo que não sei.
O Fórum Econômico Mundial tem 56 conselhos voltados para
temas como pobreza, fome e mudanças climáticas. Apenas um deles é sobre os
centros urbanos. Isso não faz sentido. Todos os tópicos acontecem dentro das
cidades, mas elas nunca são consideradas prioridade.
Esta visão se reflete nos governos nacionais?
Sim. Os presidentes veem a saúde e o transporte de forma
mais distante e sistemática. Já os prefeitos, que estão mais perto da raiz,
sabem como tudo se encaixa e funciona. Eles estão se tornando mais importantes
que os presidentes. É interessante: na Idade Média, eram as cidades que
controlavam o poder. E meu sentimento é que isso está ocorrendo de novo.
Qual a sua preocupação em relação a Melbourne?
Até 2050, a população da cidade, que é de 4,3 milhões,
chegará a 8 milhões. É quase o dobro. Isso é um problema de várias metrópoles.
Como fazer para abrigar tanta gente?
Precisamos impedir a expansão das cidades. Elas devem ser
mais compactas em seu Centro. Não há tempo ou dinheiro para levar a
infraestrutura necessária a regiões cada vez mais distantes. De certa forma, as
favelas brasileiras são melhores que o subúrbio de Melbourne: pelo menos aqui
existe um senso de comunidade. Na periferia, a violência é maior e os imóveis
desvalorizam. Além disso, os grandes deslocamentos não contribuem para a cidade
ser ambientalmente sustentável. Precisamos usar menos o carro.
Vamos conseguir abandonar o automóvel no futuro?
Não, mas seu uso deve ser diminuído radicalmente. Não uso
carro para ir ao trabalho desde 2006. Prefiro andar de bicicleta. Um carro na
Austrália custa US$ 20 mil por ano, considerando estacionamento, seguro,
manutenção.
O senhor diz que não precisamos reconstruir cidades, mas
transformá-las. Como?
Em Melbourne, no início dos anos 1980, transformamos prédios
comerciais no Centro em residenciais. Não precisamos derrubar nem construir
novas ruas. É só mudar a forma de usálos. Governos gostam de grandes obras, que
sejam fotografadas antes de eleições. Nas cidades do futuro, passaremos mais
tempo pensando em aumentar a eficiência do que existe em vez de erguer novas
estruturas.
As pessoas se sentem à vontade no Centro da cidade, de crescente
densidade, cercadas de mais arranha-céus?
Sim. O problema não é a altura de um edifício, mas sua
posição na rua. Boa parte do meu trabalho é construir o espaço entre os
prédios, onde precisamos pôr lojas, áreas verdes, praças, escolas, coisas que
incentivam e dão segurança para andar nas ruas. A construtora de um prédio alto
deveria investir parte do lucro em revitalizar a vizinhança.
Como as mudanças climáticas influenciam os projetos urbanos em
Melbourne?
É um tema particularmente problemático. A quantidade de
chuvas diminuiu cerca de 40% nos últimos 15 anos. Registramos temperaturas
acima de 43 graus Celsius por até quatro dias seguidos. As árvores estão
morrendo. Precisamos criar um plano para captar e armazenar a água no solo. Os
novos prédios têm um uso mais econômico de energia. Queremos levar o modelo a
edifícios antigos. Enfim, são muitas mudanças. Será que teremos sucesso?