Da nuvem para as estradas

06/03/2015 09:00 - Valor Econômico

A consolidação global das operadoras de telecomunicações oferece ao mesmo tempo risco e oportunidade para os fornecedores. A Ericsson mudou gradativamente seu perfil e, sem que boa parte do mercado percebesse, a fabricação passou a ter uma participação menor nos resultados, com software e serviços ganhando predominância.

No ano passado, quase 50% da receita de 228 bilhões de coroas suecas (US$ 33,2 bilhões) veio da área de software, com aplicações em diversos setores, como saúde, transporte e segurança. Essa participação sobe para 63% quando somada com serviços.

Há dez anos, de 60% a 70% do faturamento era com equipamentos, diz Humberto Rezende, chefe do centro de serviços globais da Ericsson no México. As duas novas áreas avançaram gradualmente até o ponto da virada, em 2012, quando passaram a liderar.

Não há mais volta, a Ericsson passou de fabricante para empresa de software e serviços, e as mudanças não param por aí. O processo agora envolve o crescimento em outras áreas que não tenham ligação com as operadoras. "Em 2013, 10% da receita global foi fora do segmento de operadoras; a meta para 2020 é atingir de 20% a 25%", diz João Yazlle, vice-presidente de estratégia e marketing para América Latina e Caribe.

Enquanto concorrentes se concentram na banda larga móvel como estratégia para melhorar os negócios, a Ericsson decidiu apostar na diversificação para aumentar suas chances de crescer. Suas principais ações estão voltadas agora para TV e mídia, utilities (fornecedoras de serviços públicos, como água, gás e energia elétrica), segurança pública, cidades inteligentes e transporte. Muito diferente do perfil de fabricante de equipamentos pelo qual ficou conhecida.

Por isso, não soa estranho o executivo-chefe do grupo sueco, Hans Vestberg, colocar como um dos temas principais em Barcelona, durante o Mobile World Congress - maior feira e congresso de telecomunicações do mundo, encerrado ontem -, o tráfego conectado na nuvem. O congestionamento de veículos tem um custo anual de € 130 bilhões na União Europeia, com 1,3 milhão de mortes por acidentes nas estradas em 2013 e previsão de chegar a 2,4 milhões em 2030, disse o executivo. "Podemos reduzir isso", afirmou.

O próximo passo, com veículos interconectados a um sistema que possa ser gerenciado pelas autoridades de trânsito, remotamente, pela nuvem, é um serviço da empresa. Na sequência, o carro autônomo e depois sem motorista.

Vestberg conta com a próxima onda da indústria, que estima 50 bilhões de dispositivos conectados em 2020, para a nova geração tecnológica da Ericsson. Com vendas líquidas de US$ 33 bilhões no ano passado, a companhia investiu US$ 5 bilhões em pesquisa e desenvolvimento, conta com 1 bilhão de usuários suportados por sua tecnologia e lidera a participação de mercado nas cem maiores cidades do mundo com a tecnologia LTE, de 4G, segundo Vestberg.

Apesar dos números gigantescos, o chefe do grupo sueco está muito atento à imensa demanda ainda não atendida, como cerca de 1 bilhão de pessoas sem a rede 4G em 2015. Parte de seus esforços de crescimento segue nessa direção. "Nosso modelo de negócios está mudando", enfatizou.

Vestberg contou com a parceria da americana Intel, a indiana Bharti Airtel e a japonesa NTT DoCoMo, entre outras, para darem testemunhos de alianças que deram certo. Em software para gerenciamento de serviços (OSS), a empresa sueca anunciou em Barcelona um contrato com a Telkomsel, operadora da Indonésia.

O futuro que está se desenhando com forte rentabilidade, disse Vestberg, está na nuvem, em redes IP, em TV ao vivo via dispositivos móveis. O vídeo vai gerar metade do tráfego de dados móveis, e a empresa sueca está se preparando para abocanhar boa parte dos serviços gerados por essa demanda.

O grupo sueco aposta fortemente na tecnologia 5G para ser um dos atores principais na futura sociedade conectada. Ao mesmo tempo em que investe no desenvolvimento de 5G, a empresa trabalha na base de serviços que usarão a tecnologia como ferramenta: saúde, transportes, educação, enfim, tudo que envolve a sociedade.

"Todos falam em desaceleração da economia, mas na nossa área tem muita demanda", diz o vice-preside Yazlle. Ele lembra que 3G superou 2G no Brasil em 2014, mas no restante da América Latina a virada só acontecerá neste ano.

A penetração regional de smartphones chegará a 72% em 2020, ante 38% em 2014. O avanço mostra o potencial para banda larga móvel via smartphones. A venda de aparelhos 4G deve chegar a 85% do total global neste ano. No Brasil, pode chegar a 20 milhões, comparado a 7 milhões no ano passado, mesmo com o câmbio desfavorável, estima Yazlle. Nesse cenário, diz ele, um dos desafios é como mudar do modelo de voz para dados e ganhar dinheiro com isso.

A América Latina representa 10% da receita total da companhia, e o Brasil responde por 40% dessa fatia; o México, de 25% a 30%. No México, Rezende chefia um dos quatro centro de serviços globais do grupo - os demais são na China, Romênia e Índia. Nesses centros são desenvolvidos os projetos das redes com implantação e gerenciamento remoto. É o caso do contrato com a prefeitura de São José dos Campos (SP), com mais de 600 câmeras para vigilância.

Rezende disse que o governo mexicano está atraindo empresas para o país. Os concorrentes Huawei, Cisco e Amdocs já aderiram ao chamado.