20/12/2013 10:35 - Valor Econômico
Se uma Paris já é bom, imagine várias cidades sustentáveis
"à francesa" espalhadas pelo mundo. Na China e no Marrocos, elas já
estão em gestação. Este é o negócio da marca Vivapolis - "Viver Melhor na
Cidade", conceito desenvolvido e apoiado por parceiros franceses -
agências e órgãos públicos, federações de classe e ministérios do Comércio
Exterior e da Ecologia, Desenvolvimento Sustentável e Energia, entre outros -
que pretende ser distribuído para o mundo. Entre os artigos à venda,
eco-construções, eco-tecnologias urbanas e eco-mobilidade "made in
France".
Apresentada a São Paulo pela sua coordenadora e secretária
de Estado Michèle Papalardo, a marca, que representa toda a experiência
francesa em matéria de qualidade de vida urbana, se apoia em seis eixos
estratégicos: organizar o crescimento urbano, assegurar a resiliência dos
espaços urbanos, atender às necessidades da população, criar modelos econômicos
sustentáveis, desenvolver uma mobilidade sustentável e tornar a cidade mais
eficiente.
Com várias iniciativas bem-sucedidas, como o Vélib, aluguel
de bicicletas para auto-serviço, e o Autolib, solução de mobilidade que
incentiva o compartilhamento de automóveis na Europa, a região parisiense é
hoje um modelo a se espelhar: com seus 12 milhões de habitantes, é a número um
da Europa no quesito qualidade de vida e conta com 80% de espaços naturais e 34
eco-urbanizações. Nesta entrevista, Michèle Papalardo fala da experiência
francesa em torno de um pacto pela sustentabilidade urbana.
Valor: O que é Vivapolis?
Michèle Papalardo:A marca Vivapolis foi lançada em setembro de 2013 pela ministra do Comércio
Exterior, Nicole Bricq, com o objetivo de oferecer ao mundo a experiência
francesa em matéria de qualidade de vida urbana. Nossa equipe de especialistas
está pronta para promover um intercâmbio com empresas francesas envolvidas na
construção de cidades sustentáveis. Trata-se de uma proposta que surgiu no seio
da iniciativa privada, mas conta com apoio do governo Hollande, e visa promover
e reproduzir em outros lugares do mundo o conceito de "cidade sustentável
à francesa". Marrocos e China já mostraram interesse. Trabalhamos em
sintonia com vários ministérios: da Indústria, da Habitação e outros. Visamos
integrar todos os agentes e aspectos envolvidos na construção de uma cidade,
isto é, transportes, moradia, energia, lixo, água e ar. Julgamos que, para
melhorar a qualidade do espaço urbano, é preciso aproximar diversos setores em
torno de uma única visão global da cidade que se quer. Para citar um exemplo,
um trem em funcionamento consome energia, mas também libera alguma ao frear. Se
colocarmos em operação um sistema que capte essa energia e a utilize para fazer
a iluminação pública, teremos uma cidade de mais qualidade e custos menores.
Valor: De quem partiu a ideia deste projeto?
Michèle Papalardo:A proposta de aproximação entre setores envolvidos na construção do espaço
urbano, de modo a melhorar a qualidade de vida da população e obter a melhor
performance possível pelo menor custo - isto é, consumindo menos recursos
naturais -, é uma demanda da iniciativa privada. Este é, na minha opinião, o
aspecto mais surpreendente e interessante da questão. As empresas estão hoje
convencidas de que, para ser verdadeiramente eficaz, a cidade deve promover
esta integração de esferas e estar atenta à maneira como a coletividade local
concebe a metrópole e a prestação de serviços. Essa é uma visão de longo prazo,
à qual cada qual traz sua contribuição. É preciso permitir que os diversos
setores urbanos se conheçam, possam dialogar e trabalhar entre si numa
engrenagem bem azeitada.
Valor: Para que o conceito de "cidade sustentável à francesa"
dê certo, quais atores devem ser envolvidos na busca da sustentabilidade?
Michèle Papalardo:Para que a proposta funcione, é necessária a participação igualitária dos três
pilares: governo, iniciativa privada e comunidade. Na França, o poder público
não intervém para dizer como a cidade deve conceber o seu território, mas, neste
caso específico, além de apoiar a iniciativa e fazer com que as pessoas
trabalhem juntas, lhe compete promulgar leis, direitos e sanções, dispondo, por
exemplo, sobre a obrigatoriedade de planejar o espaço urbano, gerando, entre
outros, planos de urbanismo locais. Mas isso de maneira genérica. Nos casos
específicos, cabe à coletividade das metrópoles adotar as boas iniciativas,
ouvir o que as empresas e os moradores têm a dizer para saber quais as
necessidades e demandas e levá-las em conta na hora de fazer o planejamento
urbano. É preciso também que a iniciativa privada preste atenção à forma como
vai colocar perante os projetos de mobilidade, construção de moradias, gestão
de resíduos etc. É, portanto, um exercício colaborativo que também inclui os moradores.
Na cidade sustentável ideal, o principal objetivo é melhorar a qualidade de
vida do cidadão ou daqueles que estão na cidade: turistas e outros. Isso vem
antes de ela ser verde ou inteligente. Ser sustentável significa que essa
metrópole possa oferecer trabalho, saúde, mobilidade às pessoas com
necessidades especiais e aos idosos, lazer, recreação infantil, entre tantos
outros aspectos. Para garantir saúde aos habitantes, há meios: é melhor que ela
seja verde. Para que ela seja economicamente competitiva, também há meios: é
melhor que ela ofereça uma boa mobilidade urbana, e assim por diante.
Valor: Que fatores são indispensáveis para o sucesso da iniciativa?
Michèle Papalardo:Não basta incorporar todas as tecnologias de ponta possíveis e ter boa vontade,
se não houver uma governança participativa e forte. No Marrocos, por exemplo,
as coletividades locais são muito fracas. E, sem elas, não adianta fazer um
planejamento urbano exemplar, porque ele vai ficar no papel. Definir normas,
fazer com que sejam respeitadas, controladas, financiadas a médio prazo em
parceria com a iniciativa privada: tudo isso é atributo de uma governança
forte. Uma governança participativa tem como função envolver todos os atores -
a administração pública, os empreendedores, a população -, para que eles
opinem. É possível fazer uso de tecnologias extremamente eficazes, mas se a
população não entender o motivo pelo qual elas estão sendo implantadas, não vai
dar certo. É preciso, portanto, ir progressivamente na direção da população, lhe
explicar por que motivo uma determinada decisão está sendo tomada em detrimento
de outras, e mostrar por que não se pode fazer tudo ao mesmo tempo.
Valor: Como isso se viabiliza?
Michèle Papalardo:Mais do que alta tecnologia, isso supõe vontade política, mas também diálogo
com a população e as associações, para que não haja insatisfação popular. Não
existe um modelo universal para implantar cidades sustentáveis, pois isso
depende da cultura e da educação de cada povo, dos aspectos geográficos e
históricos de cada país. O que tentamos fazer é tomar consciência das nossas
fraquezas e das nossas habilidades para implantar essas metrópoles, mostrando
que há algumas premissas indispensáveis, seja na China ou no Brasil. A parceria
entre Estado, coletividades e iniciativa privada é uma delas.
Valor: Quais as dificuldades para implantar o modelo no Brasil?
Michèle Papalardo:Ainda não conheço bem as características do país, mas o que é certo é que o Brasil
constrói cidades e já tem uma população urbana significativa, mas que vai
continuar crescendo. Para mim, o país tem uma problemática muito interessante,
pois, ao mesmo tempo em que precisa criar novos bairros, também precisa
construir a cidade sobre a cidade, pois ela já existe, tem muitas vezes
atrações turísticas inigualáveis e acomoda uma população significativa. Olhando
fotos de favelas, percebo que se trata de uma organização do espaço que é
similar ao que fazemos na França: a cidade densa e, ao mesmo tempo, agradável.
Um bom exemplo é o bairro de Clichy-Batignolles, recém-revitalizado, onde
procuramos fazer construções da mesma altura mais ou menos, cada qual com seu
terraço e sua horta, e integrá-las à atividade econômica local. Essa solução urbana
tipicamente brasileira e o conceito Vivapolis que desenvolvemos sugerem trocas
muito ricas entre o Brasil e a França.
Valor: Se fosse intervir na cidade de São Paulo, por onde começaria?
Michèle Papalardo:Está claro que a mobilidade urbana é um grande problema. Mas seria importante
abordá-la projetando a evolução das zonas e o que se quer fazer da cidade em
médio e longo prazo. Por exemplo, a cidade não é muito densa. Embora a
população se aproxime da de Paris, com seus 12 milhões de habitantes, São Paulo
é infinitamente maior. Se 12 milhões de pessoas devem transitar pelo centro o
tempo todo, a cidade para. Talvez fosse interessante criar vários centros na
metrópole e deixar que as pessoas se dirijam ao centro mesmo somente quando
isso for absolutamente necessário. Em Paris, por exemplo, ninguém vai ao centro
frequentemente, a não ser que seja necessário ou turista. Para obter a melhor
performance urbana ao menor custo possível, é preciso refletir sobre a
necessidade que se impõe aos habitantes de se deslocar e sobre as soluções que
lhes podem ser oferecidas: escolas, hospitais, transportes. Ou seja, investir
mais nos serviços e menos na necessidade de se mover.
Valor: Para se chegar à cidade sustentável ideal, é preciso haver uma
espécie de pacto?
Michèle Papalardo:Sim, porque ele supõe que todas as partes entenderam o projeto de cidade que se
pretende fazer e estão unidas em torno dele. Ele também supõe muita pedagogia e
educação por parte dos habitantes. A ideia de que todos atores envolvidos na
construção do espaço urbano devem dialogar e interagir está, na minha opinião,
no centro do conceito de desenvolvimento sustentável.