28/05/2015 08:28 - Valor Econômico
JOSÉ EDUARDO CASTELLO BRANCO
Assim como na arte circense, o governo federal vem se
equilibrando entre a contenção de despesas para o ajuste fiscal e a necessidade
de investimentos para a retomada do desenvolvimento econômico. Nesse cenário
situam-se as novas concessões ferroviárias do Programa de Integração Logística
- PIL, foco de grandes discussões dentro e fora do governo.
Essa novas concessões foram concebidas dentro de um novo
modelo, denominado "open access", segundo o qual a via férrea é
segregada da operação, fazendo com que as estradas de ferro ganhem um formato
assemelhado ao de uma rodovia pedagiada, tendo um gestor da infraestrutura
(GIF) responsável por sua implantação e manutenção, e diversos operadores
independentes (OFIs) que nela circularão, algo tornado compulsório em toda a
União Europeia, e, parcialmente, na Austrália e no Chile.
Sugere-se aqui que o processo de concessão das novas
ferrovias, rumo ao seu destravamento, seja alicerçado em quatro pilares, a
seguir destacados.
O primeiro pilar envolve a manutenção do modelo de
segregação da infraestrutura concebido para o PIL, tendo em vista que suas
características básicas - aumento da competição intratrilhos e da
interoperabilidade entre malhas - permanecem sendo essenciais ao revigoramento
do setor ferroviário nacional, hoje quase que inteiramente dominado pelo
transporte de minério de ferro para exportação.
O segundo pilar abrange a renovação antecipada das
concessões verticais existentes, com os recursos financeiros das respectivas
outorgas direcionadas a duas vertentes: solução de alguns gargalos
operacionais, nas concessões existentes, para os fluxos originados ou
destinados às novas concessões; e financiamento de parte dos investimentos em
projetos prioritários do PIL.
O terceiro pilar compreende uma radical mudança nas minutas
dos editais já divulgadas das novas concessões, conferindo aos GIFs uma ampla
capacidade de geração de receitas, dentre as quais: venda de capacidade de
vazão; manutenção e aluguel de locomotivas e vagões aos operadores; exploração
de rede de fibras óticas, silos e armazéns; prestação de serviços de manobra em
pátios e terminais ("switch operation") etc.
O quarto pilar diz respeito à modalidade concessória, que
passaria de fato a ser uma parceria público-privada, com a fixação de demandas
de projeto e de contraprestações pecuniárias para os gastos não cobertos pela
geração de receitas. No caso das demandas de projeto existiria perspectiva de
compartilhamento de receitas, em caso de acréscimo, e de perdas, em caso de
decréscimo, a exemplo das PPPs do metrô de São Paulo.
Num exercício meramente ilustrativo, poder-se-ia ter para a
Ferrovia de Integração Centro - Oeste (Fico), situada no Mato Grosso e um dos
projetos "greenfield" mais importantes do PIL, cujo custo de
implantação é estimado em R$ 6 bilhões, a seguinte estrutura de recursos para
financiamento à implantação: 20% vindos da outorga antecipada de concessões
verticais existentes (pilar dois); 40% oriundos da venda de capacidade e dos
serviços acessórios (pilar três); e 40% pela contraprestação pecuniária ou
subsídio pelo poder público (pilar quatro), sendo este último modulado para
ocorrer a partir de uma data mais longínqua, de sorte a não prejudicar o
esforço fiscal em curso. O custo de manutenção dessa ferrovia seria bancado
pela operação, como normalmente ocorre nas estradas de ferro de maior densidade
de tráfego, razão pela qual não entrou no cálculo antes destacado.
Com o conjunto de medidas ora proposto, pelo menos um dos
projetos prioritários do PIL (Fico), de importância estratégica para o setor
agropecuário brasileiro, seria iniciado sem onerar os cofres públicos no curto
e médio prazos, ficando claro o fato de que um novo empreendimento ferroviário
de vulto, salvo raríssimas exceções, irá requerer subsídio, qualquer que seja
modelo concessório adotado.
Em complemento, cabe observar que o concessionamento da
Ferrovia Norte-Sul - FNS, no trecho entre Estrela do Oeste (SP) e Palmas (TO),
cujas obras encontram-se em grande parte concluídas, segundo o modelo
tradicional (vertical), seria um grande erro.
Em primeiro lugar, isso seria mais um óbice operacional aos
trens originados da Fico, que para chegar ao porto de São Luís terão de cruzar
outras três concessões verticais. Nunca é demais lembrar o caso da Ligação
Guarapuava - Cascavel, no Estado do Paraná, que acabou sendo reestatizada pelo
governo estadual, tendo em vista, dentre outros fatores, as dificuldades de
acesso ao porto de Paranaguá por meio de outra concessão vertical.
Em segundo lugar, a Ferrovia Norte-Sul deveria ser agregada
ao pacote concessório da Fico, mesclando projetos "greenfield" e
"brownfield", objetivando, como já frisado anteriormente, garantir ao
futuro concessionário horizontal o máximo de receitas próprias e o mínimo de
receitas públicas.
Saliente-se, por oportuno, que a presidente Dilma, tão
duramente criticada nos últimos tempos, teve a sagacidade de propor à nação um
amplo conjunto de novas ferrovias, capaz de revolucionar a logística do
transporte terrestre no país. É preciso que essa proposição não sucumba às
querelas políticas e que as novas concessões ferroviárias avancem.
José Eduardo Castello Brancoé engenheiro civil e Doutor em Engenharia de Transportes (Coppe/UFRJ). Foi
diretor-presidente da Valec.