26/07/2015 08:10 - O Estado de SP
O paulistano tem três vezes mais chance de morrer em um
acidente de trânsito nas pistas das Marginais do Tietê e do Pinheiros do que em
todos os demais corredores viários da cidade. Cruzamento de informações de dois
relatórios da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), de acidentes fatais e
de volumes e velocidades do sistema viário, mostram que, nas Marginais, no ano
passado, aconteceu uma morte a cada 0,6 quilômetro de pista. Na soma dos demais
corredores, a taxa é de uma morte a cada 2,1 quilômetros.
Reduzir a letalidade acentuada das Marginais é a
justificativa da gestão Fernando Haddad (PT) para diminuir, desde a
segunda-feira passada, a velocidade nas duas vias, com limite de 50 km/h nas
pistas locais, 60 km/h nas centrais e 70 km/h nas vias expressas.
A medida, entretanto, corre o risco de cair já no começo
desta semana. A Justiça analisa representação feita pela seção São Paulo da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), que ingressou com uma ação contra o
novo limite de velocidade. A Prefeitura deve apresentar amanhã uma resposta às
considerações da Ordem.
As Marginais registraram 73 mortes em 2014, das quais 48
vítimas estavam em veículos e 25 foram atropeladas. Nas outras 40 rotas
monitoradas pela CET para contagem de trânsito aconteceram 379 mortes. Elas e
as Marginais têm, no entanto, condições diferentes de via: nas Marginais o
trânsito mistura veículos leves e de carga e não há semáforos. Nas demais vias,
além da predominância de carros, há sinais de trânsito e muitos pedestres.
Estudos. A origem
da atual redução da velocidade é um estudo feito pela CET em fevereiro deste
ano, em que o órgão avalia a redução de velocidade implementada em 2011, na
gestão Gilberto Kassab (PSD).
"Do total de 16 eixos, compostos por 88 vias arteriais
envolvidas no programa, a análise dos acidentes registrados no período de um
ano após as alterações de velocidade mostrou redução média de 5% na comparação
com igual período de um ano antes. No segundo ano, a redução dos acidentes foi
de 2%. No terceiro ano após as medidas de redução de velocidade, tivemos um
decréscimo de 7% nos índices de acidentes naquelas vias, o que representou 88
acidentes com vítimas e 227 atropelamentos a menos. Os dados permitem
considerar que as medidas surtiram efeito bastante positivo”, diz trecho do
estudo.
Análises. Entre
as críticas feitas à medida adotada pela gestão Haddad está o fato de a redução
dos limites de velocidade não vir acompanhada de outras soluções para evitar as
mortes no trânsito da capital. "Há uma série de medidas que devem ser tomadas”,
diz Luiz Célio Bottura, ex-ombudsman da CET. Ele destaca a ação mais efetiva
adotada até o momento: a campanha de proteção ao pedestre desenvolvida até 2012
– e abandonada pela atual gestão. De 2013 para 2014, sem a campanha, as mortes
cresceram 8,4% na cidade, segundo ele.
O principal ponto do programa era o uso de orientadores de
trânsito em cruzamentos importantes da cidade. Eles organizavam a travessia do
pedestre e orientavam os motoristas. "A discussão sobre trânsito está voltada
para o imediatismo da redução da velocidade nas Marginais”, diz Bottura, ao
destacar que medidas complexas têm resultados mais efetivos.
A professora Silvana Zioni, do Centro de Engenharia da
Universidade Federal do ABC, compara o sistema viário da cidade a um circuito
elétrico. "O que está sendo feito (a redução do limite de velocidade) é baixar
a tensão de forma a haver uma operação mais segura”, afirma.
Segundo a pesquisadora, embora as Marginais tenham sido
pensadas como vias expressas, ao longo dos anos elas foram ganhando função de
avenidas. "São Paulo tem diversos casos em que a via não desempenha a função
para a qual foi criada. Pegue a Heitor Penteado (na zona oeste). Ela deveria
ter pista dupla, com canteiro central, porque liga diversos bairros. Mas não é
assim. A via teve de ser adaptada. Com as Marginais, é a mesma coisa.”
Para ela, São Paulo está, com as Marginais, no mesmo caminho de outras localidades. "As cidades estão buscando soluções que vão na linha da redução da velocidade máxima dos automóveis”, diz.
Entrevista. Marcos da Costa, presidente da OAB-SP
‘Reduzir a velocidade não pode ser uma decisão de gabinete’
O que motivou a OAB a entrar com essa ação?
Sempre que há questões como esta, recebemos demandas da
sociedade. Analisamos, para ver se era o caso ou não de atuação. Nesse caso,
entendi que era. Então, levei ao conselho, que aprovou. Falta um debate maior
por parte da sociedade, compreensão de que vivemos um período democrático. Os
espaços públicos <MC0>e a sua utilização precisam ser discutidos pela
sociedade.
As considerações dos engenheiros sobre a relação entre a velocidade e a
letalidade são uma questão secundária?
Primeiro, falta debate. O argumento surge sem permitir que
haja compreensão dos elementos, dos estudos. Esse é o grande problema. Li
entrevista do presidente da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego, o
secretário de Transportes, Jilmar Tatto). Ele dizia que gostaria que a Marginal
passasse a ser uma avenida. Isso não pode ser decisão dele nem de um governo.
Tem de ser trabalhada com a sociedade. O segundo ponto é que parece decisão
muito simplória, transfere para o usuário a redução da violência, quando há uma
série de vertentes ligadas ao tema e de responsabilidade do poder público. Está
prejudicando a população e a vocação das vias, que são expressas.
E como deveria ter sido esse debate que o sr. sente falta?
A via é tão importante que a decisão não poderia ser
técnica, de engenheiros, sem que passasse para o debate social. É meritoso a
Prefeitura se preocupar, mas essa não pode ser uma decisão de gabinete.
O sr. se envolveu há dois meses em um acidente grave e perdeu uma
perna. Não acha que a velocidade menor poderia resultar em acidente menos
violento?
Não tem nada a ver uma coisa com a outra. O carro se
acidentou sozinho. O acidente foi em uma estrada, onde o controle da velocidade
é outro. Não sei de onde está partindo isso, e parece que isso vem sendo
pautado propositalmente. Eu acabei de sair deste acidente. Se tivesse alguma
coisa a ver, meu espírito seria outro, seria de valorizar medidas como esta.
Fatalidades acontecem e não foi por excesso de velocidade.
A Justiça deu prazo de 72 horas, na quinta-feira, para que a Prefeitura
apresente argumentos para a redução, antes de decidir sobre o pedido de liminar
do sr. Como avalia a decisão?
Foi uma decisão prudente. Ele (juiz) precisa entender se houve estudos, quais foram, quais as fontes, para compreender se há ou não necessidade efetiva de fazer isso.