04/10/2015 07:58 - O Globo
Leia: A favor do clima - O Globo
Cientistas
lançam estudo sobre sustentabilidade no Brasil - Agência Brasil
Energia
e aquecimento global - Valor Econômico
Uma das maiores autoridades em mudanças climáticas do país,
a engenheira, agnóstica, moradora do Leblon, quer triplicar a geração de
energia solar na Ilha do Fundão e lamenta a falta de avanços na economia verde
no estado
Bastava o carro branco parar num sinal para começar uma
divertida batucada. Na direção, o motorista se desligava por alguns segundos do
trânsito para observar as mãos titubeantes da amiga tocando o pandeiro novinho.
O condutor, seu Ferreira, um exigente professor de samba e motorista da
Secretaria estadual do Ambiente, sorria sem graça: sabia estar diante de um
desafio quase intransponível. A aluna, no banco do carona, uma das mais
respeitadas especialistas em mudanças climáticas do país, caía na gargalhada,
sabedora de sua inaptidão para o ofício. Talvez tenha sido a única matéria em
que a engenheira carioca Suzana Kahn Ribeiro, de 55 anos, não passou com louvor
nos últimos anos.
Professora da UFRJ e coordenadora do Fundo Verde da
universidade, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC,
na sigla em inglês), ex-secretária nacional de Clima. Todas essas atividades
estão na ficha de apresentação dessa carioca moradora do Leblon. Ela foi uma
das articuladoras da primeira lei federal, de novembro de 2009, com metas para
a redução das emissões de gases do efeito estufa.
MAIS DE 50 PAÍSES VISITADOS
A próxima tarefa na agenda certamente será (para Suzana)
menos complicada que tocar pandeiro: quase triplicar a geração de energia solar
no Fundão, por meio da instalação de painéis fotovoltaicos no Instituto de
Pediatria Martagão Gesteira. O hospital fica no Centro de Tecnologia ( CT), uma
"cidade dentro da Cidade Universitária”.
— Usamos o dinheiro da isenção de ICMS (que vai para o Fundo
Verde), conseguida por um decreto de 2012, para investir em ações focadas na
baixa emissão de carbono. Por ano, o fundo dá uns R$ 12 milhões para
investirmos — explica Suzana. — Outro dia, o governador Luiz Fernando Pezão
esteve aqui e até brincou: "Sua sorte é que o Fundo Verde saiu antes da crise”.
Os indicadores da universidade estão melhorando, estou gastando menos quilowatt-hora
por metro quadrado. É gratificante. Nosso mote é reduzir o consumo e gerar
energia renovável.
Mãe de Fábio, Felipe e Leonardo, com idades entre 17 e 35
anos, Suzana conhece o mapa-múndi como poucos habitantes do planeta. Já visitou
mais de 50 países, dos Emirados Árabes ao Canadá, do Uruguai à África do Sul.
Mas ultimamente tem preferido a guarida da aconchegante cobertura no Leblon.
Lá, ela gosta de ficar na companhia de familiares. Seu maior xodó atende pelo
nome de Daniel: é seu neto de 3 anos. Também se diverte com filmes na
televisão, goles de vinho e festas com os amigos — incluindo cantoria.
— Sou metida a cantora — diz, rindo. — Como viajo muito, meu
programa favorito é receber os amigos em casa. Sair no Rio está complicado, não
tem onde parar o carro, os preços são absurdos.
Fora do Brasil, entre uma conferência de clima e outra,
Suzana aproveita a tranquilidade de cidades europeias para desfrutar de uma paz
que, lamenta, está cada vez mais rara no Rio:
— Uma das coisas de que eu mais gosto quando vou ao exterior
é sair do hotel e ir a pé ao restaurante, caminhar de madrugada pelas ruas, sem
medo. Aí você percebe a loucura que a gente vive no Rio. Como deve fazer mal a
gente viver com esse medo todo — diz.
Doutora em engenharia de produção pela Coppe/UFRJ, Suzana
não poupa críticas ao empresariado fluminense ao lembrar que o mercado de
carbono, que tinha como objetivo implementar as bases para uma economia mais
limpa no Rio, não avançou um milímetro desde que a proposta foi discutida, às
vésperas da Rio+20, há três anos. A ideia era beneficiar as empresas que
emitissem menos gases do efeito estufa: cada tonelada de carbono que deixasse
de ser emitida seria transformada num crédito, a ser negociado livremente entre
as companhias.
— Foi uma frustração grande a gente não ter conseguido fazer
o mercado de carbono — lamenta. — O decreto estava rascunhado, mas não foi
assinado por causa de uma pressão grande das empresas. Elas diziam que
perderiam competitividade. Esta semana li que a China está fazendo algo
semelhante. Deu uma dor no coração. A gente poderia estar muito à frente.
LUTA CONTRA CHUMBO EM REFINARIA
Agnóstica e apartidária convicta, filha única de um advogado
com uma socióloga e professora de inglês, Suzana é descendente de alemães e
paraguaios. Estudou no Colégio Bahiense, na Gávea, e começou a carreira em
1980, como estagiária da Promon Engenharia. Passou pela Shell e pela Aracruz
Celulose, antes de imergir na carreira acadêmica.
— Suzana é dona do sorriso mais trepidante da história
ambiental do Rio — brinca o deputado estadual Carlos Minc (PT), responsável por
escalar a engenheira nos governos federal e estadual de 2007 a 2013. — A
primeira vez em que a vi foi na década de 1990, quando lutávamos pela retirada
do chumbo na refinaria de Manguinhos. Suzana é uma pessoa vital. Adora dançar,
cantar, comer e beber. É formuladora e batalhadora.