31/07/2014 07:05 - Valor Econômico
EDITORIAL
A aviação civil brasileira deu um salto de qualidade e
quantidade nas última década. De 2003 em diante, o crescimento médio da demanda
chegou a dois dígitos, tanto nas rotas domésticas quanto internacionais e, em
2012, as companhias aéreas bateram o recorde de 100 milhões de passageiros
transportados. As empresas pioneiras saíram de cena (Transbrasil, Vasp e
Varig)), dando lugar a companhias com sólidas posições de mercado, embora com balanços
sempre sujeitos à turbulências, especialmente do câmbio. O crescimento intenso
do setor ocorreu sem subsídios, que já fizeram parte por bom tempo da história
do transporte aéreo no país. Os subsídios serão agora ressuscitados para dar
impulso à aviação regional, segundo Medida Provisória de 25 de julho, que cria
o Programa de Desenvolvimento do setor.
A MP apenas autoriza o governo a conceder subsídios para
rotas regionais, depois de listar os objetivos do programa, basicamente os de
integrar comunidades isoladas e aumentar o acesso da população ao sistema de
transporte aéreo. Será coberto "parte dos custos" de voos nas rotas
regionais, atendendo a critérios como o aeroporto atendido, o número de
passageiros transportados e os quilômetros voados. Para isso, serão utilizados
recursos do Fundo Nacional da Aviação Civil.
A parte mais substantiva da MP será regulamentada por
decretos, que estabelecerão condições gerais para concessão, vigência, controle
e critérios de prioridade das subvenções. Todo cuidado com subsídios é pouco, e
boas intenções muitas vezes serviram para criar distorções econômicas
importantes e duradouras. Sempre há espaço para surpresas e elas acompanharam o
anúncio dos incentivos.
Algumas rotas regionais que já são hoje exploradas com
sucesso pela aviação comercial terão direito a subsídios, informa "O
Globo" (29 de julho). Não é preciso ser especialista para se saber que
isso não faz o menor sentido. A malha aeroviária se estendeu desde 1964, quando
subsídios de Cr$ 18 bilhões chegaram a corresponder até 18% das receitas totais
das empresas de então, Cruzeiro, Varig, Vasp e Transbrasil. Oito anos depois,
as subvenções minguaram e desapareceram depois.
A demanda e o surgimento de polos regionais, com a expansão
do agronegócio no Centro-Oeste e aumento da renda no Nordeste, induziu a
expansão do transporte aéreo, tornando-se atrativas oportunidades de negócios
para as companhias aéreas. Algumas companhias regionais bem sucedidas surgiram
e foram engolidas pelas grandes empresas, como TAM e Gol.
O governo está certo ao apontar que falta maior capilaridade
à malha comercial - um fato em um país de dimensão continental como o Brasil -
e pretende que ela seja complementada de duas formas. Primeiro, investindo R$
7,3 bilhões em 270 aeroportos regionais. Depois, ou melhor antes, assegurando a
concessão de subsídios.
Não consta da MP, mas circula no governo, segundo "O
Globo", que uma das intenções do programa é oferecer preços que possam
competir com o das passagens de ônibus. O objetivo já determina os meios para
se atingi-lo. Se o parâmetro é esse, só poderá ser atingido com subsídios. O
governo de Lula cogitou algo mais sensato e mais restrito. Os incentivos seriam
dados a empresas aéreas para que atendessem cidades inacessíveis por rodovias,
especialmente as fronteiras e a região Norte.
Enquanto a ideia dos subsídios não passar para o papel, não
se conhecerá ao certo até aonde o governo pretende chegar. A cifra cogitada, de
R$ 1 bilhão, não parecer ser significativa, mas pode crescer com o tempo.
A expansão da aviação regional tem papel relevante a
desempenhar na eliminação dos gargalos da infraestrutura em geral, desde que
feita com racionalidade, eficiência e custos moderados. Parece faltar
prioridade quando se anuncia um programa para 270 aeroportos, em que todos têm
a mesma importância e carências são niveladas. Uma expansão gradual e mais
modesta seria recomendável. Uma analogia com o setor elétrico dá ideia dos
riscos. Assim como se construiu geradoras antes das linhas de transmissão, é
possível que surjam primeiro os aeroportos e depois se parta em busca dos
aviões - que só irão com subsídios.
O mercado da aviação civil se reestruturou e avançou sem
distorções, como subsídios. Eles devem ser usados com muita parcimônia e,
claro, não para rotas já exploradas.