14/02/2016 09:00 - Folha de SP
Pressionada por milhares de reclamações de moradores
insones, a gestão Fernando Haddad (PT) intensificou o cerco a bares e casas
noturnas devido ao barulho durante a noite na capital paulista.
As multas e lacrações já ultrapassam as dos últimos anos da
gestão Gilberto Kassab (PSD), que tinha fama de "linha dura" e nomeou
coronéis da Polícia Militar para atuar como subprefeitos.
As infrações fiscalizadas pelo Psiu (Programa de Silêncio
Urbano) geraram multas no valor de R$ 24,7 milhões no ano passado, contra R$
18,5 milhões em 2014, aumento de 33%.
A prefeitura afirma que reorganizou as equipes, agora mais
concentradas em áreas boêmias, como as das subprefeituras de Pinheiros (zona
oeste), Sé (centro) e Mooca (zona leste).
O maior aumento é na fiscalização aos bares abertos após a
1h. As multas e locais lacrados passaram de 394 casos, em 2014, para 512, em
2015 -variação de 30%.
O valor da punição nesses casos é salgado, de R$ 43.032.
As autuações por ruído, aplicadas de acordo com o zoneamento
dos bairros, também vêm subindo. Em 2015, foram 146 multas do tipo, o maior
número desde 2010.
Somente uma ofensiva do Psiu em novembro lacrou 13 bares e
multou outros 22 na Vila Madalena.
Para o presidente da Savima (Sociedade Amigos da Vila
Madalena), Cassio Calazans, 58, o crescimento no número de ações reflete também
o aumento do problema do ruído. No bairro, há pessoas colocando a casa à venda
e com problemas de saúde atribuídos ao excesso de barulho.
"A Vila Madalena virou um minicarnaval o ano
inteiro", diz. "O que acontece é que as pessoas estão ficando mais
unidas [para fazer as reclamações], acionamos Ministério Público, fizemos
abaixo-assinados."
ROOSEVELT
Em alguns locais da cidade, boêmios e moradores travam uma
guerra. É o caso da praça Roosevelt, no centro, que é ocupada por bares,
teatros e espaços culturais.
Em novembro, a maioria dos locais foi multada em uma
operação da prefeitura. O Espaço Parlapatões, que funciona como teatro e bar,
chegou a ser fechado.
Os artistas reagiram. Fizeram uma vigília e até apelaram
para o prefeito. O Parlapatões acabou reabrindo.
Desde que a praça foi reinaugurada, em 2012, moradores se
articulam contra o barulho no local, que também passou a receber skatistas e
visitantes na madrugada.
A presidente da Associação dos Moradores e Amigos do Bairro
da Consolação, Marta Lilia Porta, 51, critica um suposto apadrinhamento
político dos estabelecimentos na praça. E diz que, após a blitz do Psiu, a lei
voltou a ser desrespeitada.
"Há pessoas escandalosas, que frequentam os
estabelecimentos que não fecham à 1h e depois seguem fazendo a baderna na
praça", afirma.
Ela também reclama dos frequentadores atraídos pelos
camelôs. "Os moradores e donos dos bares chamam de 'o lixão da Roosevelt'.
Sem querer ser pejorativa, mas realmente são pessoas que vêm de longe e só para
fazer baderna", afirma.
Na opinião do fundador da companhia de teatro Os Satyros, o
ator Ivam Cabral, 52, os moradores não se acostumaram com a retomada do espaço
público.
"Legitimamente, muitos ficam na praça bebendo,
conversando. Os vizinhos começaram a reclamar disso, e os bares acabaram tendo
que pagar essa conta", afirma ele, que também mora na praça.
"São Paulo era uma cidade de ninguém, a ditadura
ensinou isso. De repente, a gente descobriu que pode sair para rua e não ser
morto", diz.
FISCALIZAÇÃO
A Prefeitura de São Paulo afirma que o novo esquema de
fiscalização do Psiu (Programa de Silêncio Urbano) dá prioridade às áreas da
cidade que acumulam mais queixas de ruído à noite.
"Há uma estrutura pequena para a cidade. Então,
concentramos a fiscalização em menos subprefeituras, mapeando pelo índice de
reclamações", afirma o coordenador do programa municipal, Luiz Carlos
Pepe.
De acordo com ele, 28 pessoas compõem a equipe do programa,
que também tem reforço da PM e da Guarda Civil Metropolitana. Como a
fiscalização passou a ser menos descentralizada, os agentes vão a mais
estabelecimentos em menos tempo.
Mesmo sem crescimento no efetivo, os atendimentos aumentaram
25% em 2015 —passaram de 26.022 em 2014 para 32.529 no ano passado, o maior
número desde 2009.
A diferença entre o número de multas aplicadas e os
atendimentos realizados mostra que a maioria dos locais não sofre autuação:
houve apenas 512 multas e lacração de bares abertos após a 1h e 146 autuações
por ruído.
Antes de serem multados, os bares geralmente recebem uma
carta que avisa sobre a reclamação de clientes.
"Temos bares atendendo a lei a contento, que são
fiscalizados regularmente", diz.
Entre as ações que têm ajudado bares a minimizar o barulho
está a proibição aos clientes de sair com copos para fumar. O acúmulo de gente
do lado de fora dos bares, onde não há isolamento acústico, é uma das
principais causas de reclamações.
Além do isolamento acústico, para poderem funcionar após a
1h, os bares têm de ter estacionamento credenciado pela prefeitura e equipe de
segurança autorizada pela Polícia Federal.
A qualquer horário, porém, os locais podem ser fiscalizados
com base na lei do ruído.
COMEÇO
A urbanista e diretora do movimento Defenda São Paulo,
Lucila Lacreta, afirma que a mudança de postura da administração é "um
começo". "Tem que atender onde a demanda é maior", diz.
Lucila pontua que a reincidência dos estabelecimentos
comerciais é muito grande.
"Os infratores já estão acostumados. Você fecha
estabelecimento num dia, no outro entram com mandado de segurança e abrem de
novo.", diz a urbanista.
Muitas vezes, isso se deve à falta de equipe para voltar ao lugar ou até a brechas na autuação que facilitam a reabertura do bar. Para ela, também falta iniciativa popular, já que a fiscalização sempre será limitada numa cidade do porte de São Paulo.
BARULHO URBANO
Prefeitura de SP intensifica fiscalização; em mil
O que fiscaliza
Locais confinados, como bares, boates, restaurantes, salões
de festas, templos religiosos, indústrias e obras
O que não fiscaliza
Festas em casas, apartamentos e condomínios
R$ 43.032 é o valor máximo da multa*
Frentes de atuação
> Locais que funcionam após a 1h, que devem ter
isolamento acústico, estacionamento e segurança
> Intensidade do ruído emitido pelos estabelecimentos, a
qualquer hora do dia, inclusive em obras
Como denunciar
> As denúncias podem ser feitas pelo telefone 156, pelo
SAC ou nas subprefeituras
> É importante informar endereço completo do local
denunciado, o horário de mais barulho e o tipo de atividade
> O denunciante deve passar nome completo, endereço e
telefone
*Valor é o aplicado para a regra da 1h; para a lei do ruído,
multa varia de R$ 7.172 (50 UFMs) a R$ 43.032 (300 UFMs) Fonte: Prefeitura de
São Paulo