Xisto dos EUA reduz ameaça de nova crise no petróleo

24/07/2014 06:05 - Valor Econômico - Financial Times

Ed Crooks e Anjli Raval - Financial Times

Avanço da produção de petróleo na região de xisto de Eagle Ford, no Texas, ilustra o momento de empolgação que o setor atravessa nos Estados Unidos

Na modorrenta área agrícola do sul do Texas, perto da cidade-fantasma de Helena, as 18 reluzentes torres da usina de estabilização de petróleo da ConocoPhillips são uma paisagem dissonante. Há três anos, havia apenas campos aqui, mas brotaram usinas para processar a enxurrada de petróleo que jorra da região de xisto de Eagle Ford, ao sul e a leste de San Antonio. Estes são tempos empolgantes no setor petrolífero americano - e as novas unidades de processamento são a prova disso.

As perspectivas são brilhantes aqui e em uns poucos outros países, como o Canadá. Com o fortalecimento da oferta de petróleo bruto da América do Norte, os analistas previram que os preços despencariam e inaugurariam uma nova era de combustível barato. Mas isso não aconteceu.

A causa dessa reversão de expectativas é o fato de os grandes avanços do xisto americano terem coincidido com as convulsões políticas ocorridas em grandes países produtores de petróleo. A instabilidade política observada na Líbia, no Iraque e na Venezuela alimentou preocupações com cortes de fornecimento e com ameaças à oferta futura do produto. As sanções internacionais impostas ao Irã, além disso, reduziram a oferta mundial de petróleo, e o setor petrolífero da Nigéria está atormentado por episódios de roubo.

Não fosse a nova produção dos Estados Unidos, que reduziu significativamente as importações do país, estaríamos ouvindo falar de mais uma crise mundial de petróleo. Como fornecedor mundial de produtos energéticos, os EUA são, nas palavras da ex-secretária de Estado Madeleine Albright, "o país indispensável".

A ascensão de Eagle Ford foi espetacular. Os avanços da prospecção horizontal e da técnica da fratura hidráulica, ou "fracking" como é conhecida em inglês, empregadas inicialmente para extrair gás natural do xisto, foram aplicados no país nos últimos quatro anos para produzir petróleo, com resultados notáveis. Eagle Ford produziu apenas 15 mil barris de petróleo bruto ao dia em 2010, ante 838 mil barris dia nos quatro primeiros meses deste ano, segundo o órgão regulador estadual Railroad Commission of Texas.

Juntamente com a formação de Bakken do Estado de Dakota do Norte, Eagle Ford é um dos centros do renascimento petrolífero americano, o responsável por uma alta de mais de 60% da produção de petróleo bruto do país desde 2008.

"Na década de 1970, os EUA alcançaram o que foi chamado de o 'Pico do Petróleo'. Mas esse pico se resumiu ao petróleo convencional", diz Greg Leveille, diretor técnico da Conoco dos chamados recursos não convencionais, entre os quais se inclui o xisto. "Se examinarmos a queda que vimos na época, foi radical. E todo mundo previa que continuaria. Mas agora mudamos a trajetória da produção de petróleo dos EUA."

Apesar do surto de crescimento da produção petrolífera do Estado, os texanos não estão vivenciando uma grande queda dos custos do combustível. O preço médio da gasolina no Texas era de US$ 3,56 por galão (US$ 0,94 por litro) há duas semanas, segundo o Departamento de Informações Energéticas dos Estados Unidos, tão alto quanto o praticado no terceiro trimestre de 2011. O combustível só tinha sido mais caro do que isso em 2008, quando o petróleo bruto americano alcançou sua alta recorde de US$ 147 o barril. Toda vez em que enchem o tanque do carro, os americanos são lembrados de que o petróleo é parte de um mercado mundial, e não local.

As exportações de petróleo bruto americano são rigidamente limitadas por uma legislação que remonta à crise energética da década de 1970, quando foi imposta uma proibição a fim de sustentar as regulamentações de preços. As exportações de derivados de petróleo como gasolina e óleo diesel não sofrem, no entanto, as mesmas restrições, o que significa que as refinarias podem vendê-los aos preços mundiais. O petróleo tipo Brent, o referencial mundial de preços do produto, determina o valor pago pelos consumidores americanos, e ao longo dos últimos dois meses o Brent viveu um período de turbulência.

Em junho, o petróleo tipo Brent disparou para mais de US$ 115 o barril, uma vez que militantes do Estado Islâmico do Iraque e da Síria, conhecido como Isis, na sigla em inglês, assumiram o controle de boa parte do Iraque e pareciam estar prestes a tomar a capital, Bagdá. O Iraque é o segundo maior produtor da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), o cartel do petróleo, com uma produção de cerca de 3,3 milhões de barris/dia. A perda, pelos mercados mundiais, do petróleo exportado pelo Iraque faria os preços disparar. Desde essa época, o avanço do Isis parece ter estacionado e a produção de petróleo do Iraque se manteve, em grande medida, a mesma. Interessado em exportar maiores volumes de petróleo bruto, o Governo Regional do Curdistão, tomou dois campos de petróleo próximos da cidade de Kirkuk, no norte do país, e declarou que pretendia defender a infraestrutura do lugar. Em decorrência disso, o alarme do mercado em torno de um potencial corte do fornecimento do produto originário do Iraque perdeu força. O Brent caiu para pouco mais de US$ 104 o barril - sua baixa recorde de três meses - em julho, neutralizando todas as altas que registrou quando o Isis varreu o norte do Iraque.

A ideia de que os consumidores agora podem relaxar com relação ao Iraque representa um perigoso excesso de autoconfiança, no entanto. As condições continuam voláteis, e a fragilidade das forças militares do país sugere que a segurança de suas exportações de petróleo está longe de estar garantida. Mesmo se não houver corte imediato do fornecimento, o mais recente surto de instabilidade representa uma ameaça de longo prazo à produção do Iraque. A Agência Internacional de Energia (AIE), o órgão de vigilância mundial do setor, prevê que o Iraque será o país que mais contribuirá para o aumento da oferta de petróleo nos próximos cinco anos. O país deverá responder por cerca de 60% do crescimento da capacidade da Opep entre este ano e 2019. Para desempenhar esse papel, no entanto, ele precisa de investimentos externos sustentados para desenvolver seus campos petrolíferos.

Ed Morse, diretor mundial de pesquisa em commodities do Citibank, argumenta que, embora muitas empresas estrangeiras operem atualmente no Iraque, a recente violência tornará mais difícil atrair mais capital. Isso apesar da grande magnitude das reservas do país e da facilidade, do ponto de vista técnico, de aumentar sua produção. "Quando aumentou o grau de segurança da Colômbia, as empresas voltaram a correr ao país e a produção duplicou. Portanto, [o fator segurança] é impactante. É um impedimento real", diz ele.

A turbulência no Iraque teria sido menos alarmante se outros países tivessem capacidade de aumentar a oferta de petróleo para preencher qualquer lacuna. Mas os mercados mundiais de petróleo já são apertados.

Na Líbia a produção caiu e só agora começa a voltar a subir, após as exportações terem caído quase 90%, quando os rebeldes bloquearam os portos, há um ano. As sanções contra o Irã, motivadas por seu programa nuclear, reduziram as exportações do país, e a criminalidade que aflige a produção da Nigéria dá poucos sinais de arrefecer.

Poppy Allonby, codiretora de energia da gestora de fundos BlackRock, diz que as suspensões imprevistas da produção de petróleo aumentaram significativamente nos últimos três anos. "Nos cinco primeiros meses de 2014, 3,8 milhões de barris/dia deixaram de ser extraídos, comparados à média anual de 850 mil barris/dia entre 2008 e 2010", diz ela. "Oitenta por cento das suspensões de produção registradas até esta altura do ano ocorreram em Líbia, Irã, Síria, Iraque e Nigéria e, como tais, estão ligadas à instabilidade e à segurança regionais."

As agências e analistas especializados de previsões estão subestimando significativamente o potencial de corte do fornecimento, mesmo no âmbito da Opep, durante os próximos doze meses, aproximadamente. Nos últimos 15 anos, a segurança se tornou problema cada vez maior para as petrolíferas no mundo inteiro, segundo Andrew Gould, ex-principal executivo da empresa de serviços petrolíferos Schlumberger e atual presidente do conselho de administração da BG.

Antes de 2001, a Schlumberger adotou medidas de segurança em apenas dois países, Colômbia e Nigéria, disse ele em conferência do "Financial Times" em maio. Atualmente a empresa tem de realizar operações de segurança em pelo menos 20 países. "Eu pessoalmente sinto que, no momento, os órgãos e os analistas especializados em previsões estão subestimando significativamente o potencial de corte do fornecimento, mesmo no âmbito da Opep, ao longo dos próximos doze meses, aproximadamente", diz Gould.

Em seu mais recente relatório sobre o mercado de petróleo, divulgado este mês, a AIE defendeu argumento semelhante, ao advertir que "o risco que envolve a oferta da Opep continua alto".

Esses temores foram enfatizados no caso da Líbia pelo Departamento de Estado dos EUA, que emitiu comunicado, este mês, em que dizia que Washington estava "profundamente preocupado com a permanente violência e as atitudes de alto risco na Líbia, que poderão levar a um conflito generalizado no país". Embora a produção de petróleo da Líbia tenha voltado a operar e a previsão é que o país retome as exportações, o risco de novas suspensões continua. Muitos países do Oriente Médio e da África têm configuração geológica mais favorável que a dos Estados Unidos, ou seja, são dotados de petróleo fisicamente mais acessível, diz Amrita Sen, da consultoria Energy Aspects, mas a segurança tem sido seu calcanhar de aquiles.

"Vimos todo um grupo desses países, como o Iraque, que se abriram nos últimos anos, ao precisar das receitas de petróleo. Mas esses país não conseguiram garantir a segurança", diz ela.

A produção de petróleo em algumas áreas maduras, como a área do Mar do Norte ao largo do litoral britânico, está em queda vertical. No mundo inteiro, muitas companhias petrolíferas sofrem com as quedas de retornos sobre o capital, uma vez que a disparada dos custos restringiu a lucratividade.

O Barclays detectou que os gastos das petrolíferas do mundo inteiro em exploração deverão subir 6% este ano, para US$ 712 bilhões. No entanto, os grandes grupos internacionais de petróleo dos EUA e da Europa, entre os quais o ExxonMobil, o Royal Dutch Shell e o Total, têm relatado queda das taxas de retorno sobre seus investimentos. Em resposta a pressões de seus acionistas, eles diminuíram ligeiramente seus aportes este ano. Os analistas do Barclays argumentam que este "momento de menor investimento... levará a um período de subprodução e poderá causar um aumento estrutural dos preços internacionais do petróleo".

A produção a partir do xisto nos Estados Unidos é um recurso relativamente caro devido ao esforço necessário para tirar o petróleo do solo. Mas as empresas têm conseguido baixar esses custos, e os investimentos ainda estão crescendo. Poppy, do BlackRock, diz que, apesar de o aumento da produção americana ser resultado das tentativas das empresas privadas de maximizar os lucros, e não uma decisão estratégica do governo, ele teve efeito semelhante ao compensar as perdas de produção em outros países e ao estabilizar os preços.

"Em vista do volume do petróleo que deixou de ser produzido, o preço do petróleo seria provavelmente muito maior se não fossem os Estados Unidos", diz Poppy.

De 2005 a 2013, todo o aumento líquido da produção mundial de petróleo provém dos EUA. A perspectiva dos preços sempre é imprevisível, e um fator como uma significativa desaceleração da economia da China pode reduzi-los por algum tempo. No longo prazo, no entanto, a demanda dos emergentes por petróleo só vai crescer, o que exercerá pressão sobre a oferta e puxará preços para cima.

Sem o aumento da produção dos EUA, a pressão teria sido enorme. A revolução do xisto já teve um impacto dramático. Os países consumidores de petróleo do mundo inteiro fazem votos de que ela possa continuar.