Ninguém tolera engarrafamentos, mas quantos motoristas
estariam dispostos a pagar para se livrar deles e ainda poupar gastos públicos
com ampliações de vias, evitar cortes de árvores e outros transtornos?
A Lei de Mobilidade Urbana, aprovada no ano passado, prevê a
possibilidade de cobrança pelo uso de infraestrutura como as ruas de uma cidade
e fomenta um debate crescente sobre a ideia de taxar a circulação de automóveis
em locais e horários determinados.
Em um artigo publicado em seu blog Rendering Freedom, o
arquiteto e urbanista gaúcho Anthony Ling lança a provocação de que "ruas
gratuitas danificam as cidades". O argumento de Ling é de que, na verdade,
a utilização maciça das vias que aparenta ser de graça esconde um custo pago
por toda a sociedade mediante a destinação de recursos públicos para obras
antiengarrafamentos.
Várias cidades como Londres, Milão, Roma e Cingapura já
cobram taxa dos motoristas que circulam por áreas centrais a fim de reduzir os
congestionamentos, amenizar a poluição e estimular o uso do transporte público.
No Brasil, porém, a medida é vista como antipopular. Para Ling, que evita o
termo "pedágio urbano" por carregar um sentido negativo, ela traria
diferentes benefícios.
— Os benefícios com a medida são diminuição de emissão de toxinas
poluentes, economia de centenas de milhares de horas de congestionamento e,
principalmente, um aumento automático da qualidade do transporte coletivo, que
não ficaria preso no engarrafamento — afirma Ling.
O urbanista afirma que o ganho com essa cobrança poderia
resultar em redução de outros impostos, como IPVA e IPTU. A defesa da taxa é
compartilhada pelo doutor em Transportes e professor da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) Luis Antonio Lindau:
— Os usuários estariam pagando pelo ganho de tempo que
teriam com a redução dos engarrafamentos.
Para colocar a medida em prática, há sistemas como o
utilizado em Londres, no qual câmeras conseguem identificar as placas dos
automóveis circulando na área de cobrança. Dessa forma, não é necessário impor
barreiras físicas aos veículos nas ruas. O pagamento pode ser feito
antecipadamente, a cada dia de uso, ou mensalmente mediante um cadastro. Mas a
ideia também desperta inconformidade.
O membro da Associação dos Usuários de Rodovias Concedidas
Paulo Schneider sustenta que a medida pode ser válida em países desenvolvidos,
onde as cidades históricas têm menos espaço para circulação de veículos, o
transporte público é bom e a renda da população é mais elevada. No Brasil, não
seria apropriada.
— Somos contra pedágio em zona urbana, até porque o usuário
já paga imposto — declara.
O diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte e
Circulação (EPTC) da Capital, Vanderlei Cappellari, também rejeita a
iniciativa. Ele argumenta que não vê necessidade de acrescentar mais um tipo de
gasto ao cidadão, já que restrições parciais podem ser impostas pela própria
sinalização de trânsito.
— Já trabalhamos com a restrição à circulação de alguns
veículos em ruas centrais, como caminhões, por sinalização, sem cobrança.
Descartamos implantar cobrança.
Em Estocolmo,
população mudou de opinião sobre taxa
Em Estocolmo, na Suécia, um projeto-piloto de taxa de
congestionamento — como costuma ser chamada em outros países — acabou mudando a
opinião dos motoristas sobre esse tipo de política.
Durante seis meses, os motoristas que circularam por
determinadas áreas da cidade tiveram de pagar preços variados conforme a hora
do dia. Em períodos mais calmos, o preço era menor. Nos momentos de pico, a
tarifa era mais elevada. No início da novidade, pesquisas mostraram que 80% da
população se mostrava contrária à proposta de pagar para usar as ruas. Porém,
em um referendo realizado ao fim do semestre experimental, a continuidade da
iniciativa venceu com 52% da preferência.
Para o arquiteto, urbanista e professor da UFRGS Benamy
Turkienicz, no Brasil esse tipo de medida enfrenta o desafio de vir acompanhado
da oferta de um transporte coletivo de alta qualidade. Dessa maneira, não seria
percebido apenas como um transtorno pelos usuários.
— Se começar por restringir o carro e não prever bom
transporte público, aí vai criar descontentamento, e nenhum político sobrevive
ao descontentamento da população — afirma.
ARGUMENTOS SOBRE A COBRANÇA URBANA
A FAVOR
> Quando o governo investe em obras para tentar desafogar
o trânsito, toda a população paga — mesmo quem não tem ou não usa carro, já que
o recurso aplicado vem dos impostos
> A cobrança seria uma espécie de taxa paga pelos
motoristas como compensação pela redução nos congestionamentos e pelo ganho de
tempo
> Quem hoje usa o carro por comodidade ou sem absoluta
necessidade teria um estímulo a mais para optar pelo transporte público
> A redução dos engarrafamentos geraria ganhos para o
país com a recuperação de horas de trabalho que hoje são perdidas nas vias
superlotadas
CONTRA
> Há outras maneiras de restringir circulação sem impor
cobrança, como limitar o tráfego de veículos muito grandes em determinadas
áreas
> Embora o tributo não tenha uma destinação obrigatória
para a manutenção e ampliação de vias, proprietários de automóvel já pagam o
IPVA que pode ser usado para esse fim
> Até o momento, a grande maioria das grandes cidades
brasileiras não conseguiu oferecer transporte público de qualidade como opção
forte ao automóvel
> A medida afetaria mais a população de menor renda que
usa automóvel do que os proprietários mais ricos
SISTEMAS ANTICARRO EM AÇÃO
Veja algumas das políticas de restrição ao uso do automóvel
atualmente em vigor em algumas cidades do mundo:
Taxa de
congestionamento
Também chamado de pedágio urbano, embora os defensores da
medida evitem essa denominação, o pagamento para usar vias em determinados
locais e horários tem origem nos anos 1970, quando Cingapura estreou o seu
modelo de cobrança. Como resultado, reduziu o trânsito quase pela metade
durante a manhã, e em um terço no período da tarde, enquanto a procura pelo
transporte público aumentou.
Rodízio conforme a
placa
Medida que impede a circulação de carros com determinadas
placas em dias e horários pré-determinados. Desde 1997, por exemplo, o
município de São Paulo coloca em prática o sistema que tem como objetivo
reduzir em cerca de 20% o volume total de tráfego nos dias de semana. Para
isso, a cada dia restringe a circulação de carros que têm determinados dígitos
no final da placa entre 7h e 10h, e 17h e 20h.
Restrição a
estacionamento
Cidades como Zurique, na Suíça, apostam na limitação do
espaço disponível para o estacionamento de automóveis como meio de combater a
circulação de veículos em áreas centrais e estimular o uso do espaço público.
Em 2010, um referendo popular manteve a política que eliminou vagas nas ruas e
estabelece um número máximo para a criação delas mesmo em espaços privados.
Sistema "Park
and Ride"
Utilizado em várias cidades do mundo, o sistema consiste em implantar grandes estacionamentos junto a serviços de transporte público, como ônibus, trens e metrôs. Em Brisbane, na Austrália, por exemplo, são construídos a uma distância mínima de 10 quilômetros do centro. De lá, os condutores tomam o transporte público até a região desejada.