28/11/2015 08:40 - Outras Palavras
GEORGE MONBIOT
O que os governos aprenderam com a crise financeira? Eu
poderia escrever uma coluna falando sobre isso. Ou poderia explicar com uma
única palavra: nada.
Na verdade, nada é muito generoso. As lições aprendidas são
contra-lições, anticonhecimento, novas políticas que dificilmente poderiam ser
melhor concebidas para assegurar a recorrência da crise, dessa vez com
acréscimo de impulso e menos remédios. E a crise financeira é apenas uma das
múltiplas crises – de arrecadação, gasto público, saúde pública e, acima de
todas, ecológica – que as mesmas contra-lições fazem acelerar.
Volte um pouco atrás e você verá que todas essas crises têm
origem na mesma causa. Atores com grande poder e alcance global são liberados
do império das leis. Isso acontece devido à corrupção fundamental no núcleo da
política. Em quase todas as nações, os interesses das elites econômicas tendem
a pesar mais na balança dos governos do que os interesses do eleitorado.
Bancos, corporações e proprietários de terras exercem um poder enigmático,
operando silenciosamente entre os membros da classe política. A governança
global está se tornando algo semelhante a uma reunião infinita do Clube de
Bilderberg (1).
O professor de direito Joel Bakan, num artigo no Cornell International Law Journal,
argumenta que dois movimentos alarmantes estão acontecendo simultaneamente. De
um lado, os governos vêm revogando leis que restringem a ação de bancos e
corporações, sob o argumento de que a globalização enfraquece os Estados,
tornando impossível uma legislação efetiva. Como alternativa, eles dizem, nós
devemos confiar na autorregulação daqueles que exercem o poder econômico.
Por outro lado, os mesmos governos concebem novas leis draconianas para fortalecer o poder da elite. Às corporações são dados os direitos de pessoas físicas. Seus direitos de propriedade são reforçados. Aqueles que protestam contra elas estão sujeitos ao controle e à vigilância policial. Ah, o poder do Estado continua muito bem a existir – quando é conveniente…
Muitos de vocês já terão ouvido falar sobre a Parceria
Transpacífica (TPP) e da proposta da Parceria Transatlântica de Comércio e
Investimento (TTIP). São, supostamente, acordos de comércio – mas pouco têm a
ver com comércio e, sim, com poder. Ampliam o poder das corporações, enquanto
reduzem o poder dos parlamentos e do Estado de Direito. Tais acordos não
poderiam ser melhor concebidos para exacerbar e universalizar nossas múltiplas
crises – financeira, social e ambiental. Mas algo ainda pior está por vir, o
resultado de negociações conduzidas, mais uma vez, em segredo: um Acordo sobre
o Comércio de Serviços (TiSA), cobrindo a América do Norte, a União Europeia,
Japão, Austrália e muitas outras nações.
Apenas através do Wikileaks temos alguma ideia do que está
sendo planejado. Este acordo poderia ser usado para forçar nações a aceitar
novos produtos e serviços financeiros, a aprovar a privatização de serviços
públicos e a reduzir os padrões de precaução e provisão. Esta parece ser a
maior agressão à democracia arquitetada nas últimas duas décadas. O que
significa muito.
O Estado, em sua autoflagelação, proclama que não tem mais
poder. Ao mesmo tempo, aniquila sua própria capacidade de legislar – doméstica
e internacionalmente. Como se a última crise financeira não tivesse ocorrido, e
como se não estivesse ciente de sua causa, o ministro das Finanças britânico,
George Osborne, em seu mais recente discurso na Prefeitura de Londres, disse à
sua plateia de banqueiros que "a principal exigência na nossa renegociação é
que a Europa interrompa a regulação onerosa e prejudicial”. O primeiro-ministro
David Cameron vangloriou-se de comandar "o primeiro governo na história moderna
que, ao fim de sua legislatura, possui menos regulações em prática do que havia
no começo”.
Isso, num mundo de crescente complexidade e onde crescem os
crimes corporativos, é pura imprudência. Mas não tenha medo, eles dizem: o
poder econômico não precisa se sujeitar ao Estado de Direito. Ele consegue se
regular por si próprio.
Alguns de nós há tempos suspeitamos que isso seja uma grande
tolice. Mas, até agora, a suspeita era tudo que tínhamos. Esta semana foi
publicada o primeiro estudo global sobre autorregulação. Tal estudo foi encomendado
pela Britain’s Royal Society for the Protection of Birds2, mas se estende a
todos os setores, desde agentes de pequenos empréstimos até criadores de cães.
E ele mostra que em quase todos os casos – 82% dos 161 projetos avaliados,
medidas voluntárias fracassaram.
Por exemplo, quando a União Europeia buscou reduzir o número
de pedestres e ciclistas mortos por veículos, a instituição poderia ter
simplesmente votado uma lei instruindo os fabricantes de automóveis a mudar o
design dos para-choques e capôs, a um custo aproximado de €30 por carro. Ao
invés disso, confiou-se num acordo voluntário com a indústria. O resultado foi
um nível de proteção 75% menor do que uma lei teria induzido.
Quando o governo do País de Gales introduziu uma cobrança de
5 centavos para sacolas plásticas, o seu uso foi reduzido em 80% de um dia para
outro. O governo inglês afirmou que a autorregulação por parte dos varejistas
apresentaria o mesmo efeito. O resultado? Uma grande redução de… 6%. Depois de
sete anos desperdiçados, o governo sucumbiu à lógica óbvia e introduziu a
cobrança.
Projetos voluntários para coibir a publicidade de junk food para crianças na Espanha, para
reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa no Canadá, para economia
de água na California, para salvar albatrozes dos barcos de pesca na Nova
Zelândia, para a proteção de pacientes de cirurgias plásticas no Reino Unido,
para impedir o marketing agressivo de remédios psiquiátricos na Suécia: apenas
fracassos. O que o Estado poderia ter feito com uma simples canetada, com baixo
custo e de maneira eficiente é deixado de lado em prol de ações desastradas das
indústrias que, mesmo quando sinceras, são minadas por aproveitadores e
oportunistas.
Em diversos casos, as empresas imploraram por novas leis que
elevassem os padrões na indústria. Por exemplo, aqueles que produzem embalagens
plásticas para silagem para fazendeiros tentaram fazer com que o governo do
Reino Unido elevasse a taxa de reciclagem. Empresas de jardinagem queriam
regulamentações para eliminar gradualmente o uso de turfa. Os governos
recusaram. Teria sido o resultado de ideologia cega ou escusos interesses
próprios – ou ambos? Os maiores doadores de partidos políticos tendem a ser os
piores empresários, usando seu dinheiro para manter as más práticas legais
(vide o caso Enron).
Como os partidos que eles financiam se curvam aos seus
desejos, todos são forçados a adotar seus baixos padrões. Suspeito que os
governos, assim como qualquer um, sabem que a legislação é mais eficiente e
eficaz que a autorregulação e que por isso mesmo não a empregue.
Imobilizar o eleitorado, liberar os poderosos: essa é a fórmula perfeita para uma crise multidimensional. E nós estamos colhendo seus frutos.
George Monbiot - Jornalista,
escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido. Escreve uma coluna semanal
no jornal The
Guardian
(1): As reuniões do
Clube de Bilderberg acontecem anualmente com o objetivo de fomentar os diálogos
entre EUA e Europa. A conferência conta com a presença de líderes políticos,
acadêmicos, empresários discutindo informalmente tendências globais. A lista
dos participantes é divulgada, mas ninguém tem acesso ao conteúdo da
conferência. Ver mais em: <http://ow.ly/V5rzK>
Tradução: Gabriel Filippo Simões