06/03/2015 08:22 - Valor Econômico
ARMANDO CASTELAR PINHEIRO
O Brasil carece de uma boa infraestrutura. Isso penaliza
nossa qualidade de vida e limita o crescimento do país. Exemplos disso abundam,
dos péssimos indicadores de mobilidade urbana ao risco de um apagão elétrico em
2015.
Em geral se atribui esse quadro a dois fatos. Um, a demanda
por serviços de infraestrutura ter crescido mais que a renda: por exemplo, nos
últimos anos o consumo de energia residencial e a movimentação de passageiros
nos aeroportos aumentaram mais que o PIB. Outro, o baixíssimo nível de
investimento em infraestrutura, estacionado há décadas entre 2% e 2,5% do PIB,
insuficiente para repor o que é depreciado e ainda expandir a capacidade de
oferta.
Menos discutida, mas tão ou mais importante, é a baixa
eficiência do investimento em infraestrutura; isto é, o quanto de aumento de
capacidade de oferta se extrai de cada real investido no setor. Um bom exemplo
é a Transposição do São Francisco.
As obras desse projeto se iniciaram em 2005, com orçamento
de R$ 4,5 bilhões. Em 2007 ele foi incluído no PAC e seu orçamento elevado em
11%. A previsão era de que o Eixo Leste, o menor dos dois que compõem o
projeto, estivesse pronto em dezembro de 2010, enquanto o Eixo Norte estaria
concluído dois anos depois. Até hoje, nenhum dos dois eixos está pronto. No
último balanço do PAC, a meta era concluir 70% do projeto até o fim de 2014, ao
custo de R$ 7,7 bilhões.
Esses números mostram que a relação custo-benefício desse
projeto é bem pior do que originalmente pensado: não só os custos são bem
maiores que o planejado, como os benefícios muito menores, visto que adiados em
vários anos. A União se endividou, e paga juros elevados, para realizar um
gasto que até agora não gera benefícios e sofre depreciação. Ao fim, o dinheiro
gasto superará em muito o valor real do capital criado.
No Brasil, as formas tradicionais de contratação de obras
públicas, como é o caso da Transposição do São Francisco, apresentam inúmeros
problemas, do viés político na seleção de projetos ao insuficiente detalhamento
dos projetos de engenharia e à precária fiscalização das obras recebidas. A
institucionalidade é ruim e os incentivos dados ao contratante público e ao
contratado privado são inadequados.
Como em outros países, temos buscado corrigir os incentivos
por meio da integração vertical das atividades desenvolvidas pelo setor
privado. Um exemplo é a contratação integrada do projeto de engenharia da obra
e da sua execução. Outro, as concessões e as parcerias público-privadas (PPPs).
Há três vantagens em investir em infraestrutura por meio de
concessões ou PPPs. Primeiro, a possibilidade que o setor privado introduza
soluções inovadoras. Segundo, a exploração de economias de escopo na realização
das diversas atividades. Terceiro, que, como o privado é seu próprio cliente
nas fases iniciais e intermediárias do investimento, ele terá incentivos a
realizá-las direito. Por outro lado, nessas modalidades em geral aumenta a
assimetria de informação entre o público e o privado, e o número de
interessados diminui, devido à maior escala do projeto.
Isso torna a estruturação do projeto de concessão ou PPP
muito mais importante. Nesta, o agente público precisa desenhar com cuidado o
contrato a ser realizado, dos indicadores de resultados às formas de adaptação
contratual, conhecer detalhadamente o projeto, para não pagar demais por ele, e
criar um processo de licitação que maximize a competição pelo projeto.
No Brasil, o setor privado tem participado bastante da
estruturação dos projetos, por meio dos Procedimentos de Manifestação de
Interesse (PMI) e da Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada (MIP). O
espaço é pequeno para discutir nossa experiência com esses procedimentos, mas
três constatações merecem destaque.
Primeiro, os resultados não são brilhantes: há muitos PMIs e
MIPs de infraestrutura iniciados, mas comparativamente poucos em que a
licitação foi bem sucedida, em termos de gerar competição e o projeto ser
realizado. Segundo, as empresas interessadas nas concessões ou PPPs participam
ativamente da etapa de estruturação, o que pode levar a que esta beneficie
essas empresas, à custa do consumidor e do contribuinte. Terceiro, há um quadro
desfavorável à participação de empresas independentes de estruturação, cujos
incentivos são mais alinhados ao interesse público.
Precisamos de um setor público mais bem equipado e de uma
institucionalidade que proteja melhor o interesse público. Nesse sentido,
acredito, por exemplo, que nos PMIs e MIPs é preciso criar processos paralelos
de seleção de projetos, um para empresas que vão participar da licitação da
concessão e outro para empresas que fiquem impedidas de fazê-lo. Também se deve
ter uma etapa de pré-seleção desses projetos.
Quem tem pouco para investir tem de extrair o máximo de
resultado. O caminho é estruturar bem os projetos a serem concedidos. Temos
muito a avançar, mas o conhecimento para isso já está aí.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ.