03/09/2015 07:30 - Valor Econômico
O orçamento público reflete as prioridades de um governo e,
nessa análise, as desonerações tributárias adotadas a partir de 2009 pelo
governo Dilma Rousseff prejudicaram o financiamento de políticas sociais,
aponta estudo divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
De acordo com a pesquisa, os incentivos fiscais do primeiro
mandato da presidente tiraram R$ 60 bilhões a mais das contribuições sociais da
seguridade social do que em 2010. A renúncia fiscal no governo Dilma aumentou
de 3,68% em 2011 para 4,76% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, segundo o
estudo.
A pesquisa "Renúncias tributárias - os impactos no financiamento das políticas sociais no Brasil" destaca que o governo desonerou justamente os tributos que compõem a fonte de financiamento para políticas de seguridade social, principalmente em previdência, saúde e assistência social.
Além disso, a renúncia tributária ajudou a esvaziar os
fundos de participação dos Estados e municípios, formados a partir da arrecadação
de Imposto de Renda (IR) e de (Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e
cujos recursos financiam gastos obrigatórios em saúde e educação. "Não
existe política social sem a garantia das fontes de financiamento", diz o
autor Evilásio Salvador, economista da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e doutor em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB). O
estudo foi feito com base nos dados do Demonstrativo dos Gastos Tributários
publicados pela Receita Federal no período de 2011 e 2014. "Me parece
incoerente que o governo divulgue rombos na Previdência e, por outro lado,
conceda generosos benefícios fiscais sem nada em troca", diz.
O estudo analisa apenas o financiamento indireto das
políticas públicas, que se dá por meio de renúncia fiscal, e destaca entre as
principais perdas o expressivo aumento das desonerações incidentes na
contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento. Essa análise, segundo a
pesquisa, permite identificar a transferência indireta e extraorçamentária de
recursos para o setor privado da economia.
Embora as justificativas para as desonerações tenham cunho
econômico, o pesquisador defende que é importante que o orçamento público
assegure os recursos da seguridade social.
"São recursos carimbados no orçamento público, de
destinação exclusiva para o financiamento das políticas de seguridade social -
previdência, assistência social e saúde - e do seguro-desemprego", afirma
Salvador, que critica a política de desonerações por se tratar de um caminho
sem volta, em sua opinião. "Ao menos deveria ter se exigido
contrapartidas", defende Salvador, argumentando que há exigências para os
beneficiários das políticas sociais. "Se faz isso com os beneficiários de
políticas sociais, não faz? Quem recebe o Bolsa Família, por exemplo, precisa
pesar, vacinar, ter presença escolar", diz.
O texto destaca as perdas que as desonerações representaram,
sobretudo, para o orçamento dos Estados e municípios, que recebem parte da
arrecadação dos impostos federais. "Assim, a depender das políticas
adotadas nas esferas da União e dos Estados, os municípios podem ser fortemente
atingidos na sua condição fiscal", diz o texto. A lei determina que 40%
das receitas municipais sejam destinadas a saúde (15%) e educação (25%).
A estimativa da pesquisa é que tenha aumentado 17,04% acima
da inflação entre 2011 e 2014 a perda potencial de receitas do Fundo Municipal
Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do Fundo de Participação dos
Estados (FPE). Equivale a dizer que, caso o governo não houvesse feito
desoneração alguma em IR e IPI em 2014, o FPE teria um acréscimo de R$ 24,05
bilhões e o FPM, de R$ 26,29 bilhões.
"Aí a União se apropria cada vez de maior parcela do
fundo de arrecadação. Na realidade você está simplesmente impondo regras e
metas a serem cumpridas sem dar condições fiscais para que essas metas sejam
cumpridas", afirma Salvador, que diz que é cada vez maior a
responsabilidade dos gestores municipais e estaduais na execução das políticas
públicas, como o Plano Nacional de Educação.
O levantamento aponta ainda que as renúncias que afetam o
financiamento da saúde aumentaram de R$ 20,6 bilhões, em 2010, para R$ 24,9
bilhões, em 2014, e representam 9,5% da renúncia fiscal de 2014. Na função
assistência social, que concentra as entidades filantrópicas e organizações sem
fins lucrativos, a renúncia cresceu 20% acima da inflação no mesmo período.
Outra crítica presente no estudo é o espaço importante que o
serviço da dívida pública ocupa no orçamento federal. Entre 2011 e 2014 foram
destinados R$ 1,5 trilhão ao pagamento de juros e amortização da dívida, o que
equivale a 24,13% do total de recursos do orçamento público federal. Além
disso, enquanto as despesas com amortização da dívida cresceram 60,15% acima da
inflação no período, os gastos com pessoal cresceram apenas 7,36%. Já as outras
despesas correntes - que incluem o pagamento de serviços e benefícios no âmbito
das políticas sociais, o pagamento previdenciário e a transferência de recursos
para Estados e municípios, entre outros -cresceram 15,8%. "A política de
ajuste fiscal destinou parte considerável da arrecadação financeira à esfera
financeira, em especial ao pagamento de juros e à amortização da dívida",
diz o pesquisador.
Para Salvador, tal retrato expõe a "falsa
dicotomia" entre custeio e investimento, que domina o debate sobre onde o
governo poderia cortar gastos. "Ambas [as despesas] são fundamentais e
necessárias para o desenvolvimento econômico e social do país. A conta a ser
enfrentada é a de juros", afirma o pesquisador. "O país vai continuar
atendendo de forma prioritária ao mercado financeiro e seus rentistas ou vai
priorizar a construção de um sistema de proteção social, com expansão de
investimentos?", questiona o estudo.
O pesquisador critica também o foco do ajuste fiscal
empreendido pela atual equipe econômica. "De um lado, o governo corta
gastos e de outro lado, o Banco Central sobe o juros, o que implica em mais
despesas financeiras. Ou seja, estamos "enxugando gelo", afirma
Salvador, que sugere que a política de ajuste deveria considerar uma meta de
reduzir a despesas com juros para o patamar de 2% do PIB. "Outra questão é
tratar da questão tributária em direção a reforma do sistema, buscando cobrar
impostos sobre renda e patrimônio, reduzindo a carga sobre produção e
consumo".
O estudo destaca, por outro lado, que os gastos com educação
atualmente estão abaixo do necessário para se alcançar uma educação de
qualidade e cumprir as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação.