19/09/2014 09:25 - O Globo
Um estudo publicado ontem na revista "Science” mostra que,
diferentemente do que afirmavam estimativas anteriores, o número de habitantes
da Terra não vai deixar de crescer neste século. Há 70% de chances de que a
atual população mundial, de 7,2 bilhões de pessoas, atinja um patamar entre 9,6
e 12,3 bilhões em 2100. A África será a principal responsável por esse
fenômeno. Lá, a quantidade de indivíduos pode mais do que quintuplicar,
passando de 1 bilhão para 3,1 bilhões a 5,7 bilhões.
Baseada em cálculos realizados a partir da década de 1990, a
comunidade científica internacional acreditava que o planeta contaria 9 bilhões
de pessoas em 2050 e, depois, começaria a assistir a uma diminuição desse
total. A projeção serve como base para estudos de diversas áreas — entre eles,
metas de desenvolvimento econômico, programas de segurança alimentar e ações
necessárias para mitigar as mudanças climáticas. Agora, a possível
multiplicação humana pode obrigar a revisões desses projetos.
— Havia uma grande preocupação com o crescimento da
população mundial entre os anos 1960 e 1990 — revela Adrian Raftery, professor
de Estatística e Sociologia da Universidade de Washington em Seattle e coautor
do estudo, que envolveu instituições como a ONU. — A fertilidade diminuiu
rapidamente na Ásia e na América Latina, mas, ao contrário do esperado, o mesmo
não ocorreu na África.
Pesquisador da Divisão de População do Departamento de
Economia e Assuntos Sociais da ONU, Patrick Gerland lembra que a resistência do
planeta a surtos populacionais já foi testada nas últimas décadas. No entanto,
agora a África se encontra em uma situação extremamente delicada.
— Éramos 2,5 bilhões em 1950, e agora somos 7 bilhões —
destaca o cientista, que também assina o novo relatório. — Mas, se a população
da África quadruplicar, vamos criar novas necessidades em diversas áreas, como
produção de alimentos, saúde e transporte. Será muito difícil aliviar a
miséria.
Para os pesquisadores, o crescimento populacional, que será
mais expressivo na África Subsaariana, deve- se à falta de anticoncepcionais e
de instruções para o planejamento familiar. Outra crítica é às restrições à
educação feminina.
Naquela região, cerca de 25% das mulheres casadas e em idade
fértil não têm acesso à contraceptivos e, por isso, não conseguem evitar a
gravidez. Além disso, ainda existe uma preferência por famílias grandes. Os
pais querem ter, em média, 4,6 filhos.
— Ao mesmo tempo, vemos como diminuiu o impacto do vírus HIV
sobre a população — assinala Raftery. — A acessibilidade a medicamentos
antirretrovirais é muito maior do que há 20 anos. São cada vez menos vítimas, e
o pico da epidemia provavelmente já passou.
NIGÉRIA: 3º MAIS POPULOSO
A Nigéria vai assumir a terceira posição entre os países
mais populosos do mundo — até 2100, o número de habitantes será catapultado dos
atuais 173 milhões para 532 milhões.
Até 2030, a Índia tomará a liderança do ranking das nações
de maior população, rebaixando a China ao segundo lugar. Mas o número de
asiáticos começará a diminuir a partir de 2050. A população do continente
americano, por sua vez, encerrá o século com menos de 1 bilhão de pessoas.
De acordo com Raftery, o cenário brasileiro é mais nebuloso.
O país conta atualmente com 200,4 milhões de habitantes. Em 2100, considerando
a margem de erro da pesquisa, seremos entre 125 milhões e 268 milhões.
— É uma situação muito incerta devido à queda drástica dos
índices de fertilidade nas últimas décadas — explica. — As famílias encolheram,
e a qualidade de vida levou à maior longevidade. Desta forma, a proporção de
idosos aumentou substancialmente.
O Brasil, aliás, é um dos exemplos de outra preocupação
manifestada pelo estudo — a população ativa disponível para o sustento do
sistema previdenciário. Hoje, o país tem 8,6 trabalhadores para cada pessoa com
mais de 65 anos. Em 2100, será apenas 1,5.
O mesmo problema ocorrerá em nações como a Alemanha (que
terá apenas 1,4 trabalhador por idoso no fim do século), China (1,5) e EUA
(1,9), entre outros. Para especialistas, este cálculo reforça a exigência de
que os governos criem planos de assistência social aos mais velhos.
MODELO TRAZ NOVOS DADOS
O estudo foi baseado em um novo modelo, criado pela equipe
de Raftery e Gerland, que gera dados mais concretos para o registro do
crescimento populacional, acrescentando fontes de informação e eliminando os
"achismos” de cientistas.
— As novas projeções são baseadas em modelos estatísticos de fertilidade e expectativa de vida para todos os países do mundo — explica Raftery. — Muitos estudos anteriores eram baseados, ao menos parcialmente, em suposições de especialistas sobre como seriam estas taxas no futuro.