Caminhões desrespeitam sinalização em BH

31/07/2015 07:20 - Estado de Minas

Mesmo com restrições já implantadas para tráfego de caminhões em Belo Horizonte, dados de fiscalização eletrônica em dois desses pontos mostram que somente a sinalização não tem sido suficiente para coibir infrações. Os equipamentos que flagram veículos pesados trafegando nessas áreas – na Avenida Nossa Senhora do Carmo, altura do número 2.135, no Sion; entre os bairros Belvedere e Sion; e na Avenida do Contorno, 5703, no Cruzeiro – registraram 2.196 multas no período dos dois últimos anos, uma média de três por dia. Os dados referentes a 2015 ainda não foram computados pela BHTrans, responsável pela fiscalização eletrônica. Para especialistas, além do descumprimento à regra de trânsito há ainda outros problemas, como manutenções precárias dos veículos de carga e falta de legislação que obrigue caminhões prestadores de serviços a órgãos públicos de cumprir um cronograma de vistorias.

Atualmente, as regras para tráfego de veículos pesados valem para pontos diversos de Belo Horizonte, especialmente localizados na Região Central. No tobogã da Avenida do Contorno, entre as ruas do Inconfidentes e Ceará, neste sentido, e na Avenida do Contorno, entre Rua Andaluzita e Avenida Afonso Pena, neste sentido, é proibida a circulação de veículos com capacidade de carga acima de cinco toneladas ou comprimento acima de 6,50 metros,  em todos os dias e horários, por exemplo. Há ainda corredores importantes, como avenidas Amazonas, Raja Gabaglia, Afonso Pena, entre outros. Por meio de nota, a BHTrans ressaltou a importância do respeito à sinalização para evitar acidentes. "Todos os dispositivos de segurança instalados em qualquer via, por mais reforçados que sejam, não evitam acidentes se os condutores não respeitarem a sinalização e não realizarem manutenção preventiva em seus veículos. No caso do acidente no Gutierrez, somente a perícia técnica poderá comprovar as causas da ocorrência”, informou. De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e as resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contra), só há determinação de vistoria de caminhões nos Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans) nas ocasiões de transferência de propriedade, segunda via de documentação ou qualquer tipo de alteração do veículo. No artigo 230 do CTB, há previsão de multa e retenção do veículo que estiver em mau estado de conservação. 

RESPONSABILIDADE 

Na avaliação do engenheiro e professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabrício Pujatti, a existência de uma legislação específica para caminhões, tal como a que exige vistorias periódicas dos ônibus do transporte público, poderia reduzir o número de acidentes. "Isso diminui a chance de falhas mecânicas. Quando a administração pública terceiriza um serviço, ela transfere a responsabilidade da manutenção para a empresa contratada e não controla as vistorias, que também não são cobradas com periodicidade pelo órgão de trânsito. Uma mudança na legislação poderia evitar tragédias”, afirma. Segundo o professor, o veículo fabricado em 2010, é considerado novo, o que dificulta avaliar o que pode ter ocorrido para que ele tenha se envolvido no acidente.  Segundo a empresa KTM, proprietária do caminhão que causou acidente no Gutierrez, o veículo foi vistoriado em empresa especializada em sistema de freios no último dia 17, ou seja, há duas semanas. A empresa informou que apura as causas do acidente. Segundo o Detran, o caminhão está com a documentação em dia e o motorista João Rodrigues Filho está devidamente habilitado para conduzir este tipo de veículo.

BH teve quase três acidentes por dia envolvendo caminhões no ano passado

Um acidente que quase terminou em tragédia no Bairro Gutierrez, Região Oeste de Belo Horizonte, voltou a chamar a atenção para o perigo envolvendo o transporte urbano de cargas, especialmente em vias íngremes da capital. Um caminhão de sete toneladas desceu sem freios a Rua Paula Cândido, bateu no muro da escola infantil Mundo Feliz e atingiu três carros de passeio que estavam estacionados. Na instituição, onde normalmente estudam cerca de 500 alunos, por sorte o movimento era menor com o período de férias escolares. Mas o berçário funcionava e havia circulação de pais, funcionários e pedestres. Por causa do susto, moradores da rua, pais de alunos e a direção da escola cobram que a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) impeça o tráfego de caminhões na rua. A BHTrans prometeu fazer vistoria no local e avaliar se uma restrição é necessária – a empresa garantiu que já elabora um projeto de revitalização da sinalização horizontal na região.

O acidente dessa quinta-feira engrossa as estatísticas de batidas envolvendo caminhões. No ano passado, houve 1.003 casos em vias urbanas de BH, quase três por dia, em média. Do total, 366 resultaram em morte – uma por dia. Em localidades com ruas íngremes, a preocupação de moradores é maior. Apesar de ainda não constar na lista de vias com restrição para tráfego pesado, a Rua Paula Cândido tem inclinação de 11,89 graus (ou 21,06%), considerada alta pela PBH e semelhante à da vizinha Martim de Carvalho, que é de 14,05 graus (ou 25,02%), onde há proibição. Atualmente, Belo Horizonte tem restrições para veículos com capacidade acima de cinco toneladas no Centro e nos grandes corredores. A capital conta ainda com dois pontos de fiscalização eletrônica para coibir a presença de caminhões pesados.

Moradora da Rua Paula Cândida e mãe de uma aluna da escola Mundo Feliz, a educadora Patrícia Cintra de Senna Valle, de 37 anos, é uma das que encabeçam o movimento para proibir caminhões na via. "Todos os dias a gente escuta freadas bruscas e já vimos outros acidentes aqui. O perigo é constante”, disse. Segundo ela, a proibição não atrapalharia a circulação dos veículos de carga, já que há outras vias alternativas, com inclinações menores, no entorno. "Durante a semana, é imenso o movimento na porta da escola. Alguém poderia ter morrido ou se ferido gravemente no acidente, mas o prejuízo poderia ter sido muito maior com o retorno das aulas”, lembra.

No caso de ontem, os três ocupantes do caminhão sofreram escoriações, mas o susto causado pelo caminhão desgovernado foi tão grande que o engenheiro Alexandre Pimentel, de 36, teve a sensação de ter nascido de novo. Ele é o dono do primeiro carro atingido pelo veículo de carga, um Citroen C4 que ficou completamente destruído. Ele tinha acabado de deixar a filha de um ano no berçário da escola, quando, na saída, viu o caminhão se aproximando. "Na hora que eu vi que ia bater, voltei correndo”, conta.

Segundo o motorista do caminhão, João Rodrigues Filho, de 67, que falou com a reportagem por telefone enquanto se recuperava de escoriações no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, ele prestava um serviço de recolhimento de lixo e entulho para a Prefeitura de BH no momento do acidente. "Estava estacionado na esquina de cima da rua que tem o morro e o rapaz me pediu para movimentar o caminhão 1 metro, para ficar mais fácil de carregar o caminhão. Quando pisei no freio, senti que ele endureceu. O caminhão começou a descer”, descreve. João disse que ainda conseguiu ligar o caminhão, mas, mesmo com ajuda do freio motor, não foi possível segurar as sete toneladas, pois o pedal do freio continuava sem funcionar. A pancada foi tão forte que ao bater no carro de Alexandre, o caminhão o empurrou em cima de outro carro e arrancou a proteção de uma das entradas da escola, danificando o muro, antes de acertar um terceiro veículo de passeio. A diretora da escola, Maria Lúcia Luz Dias, lembra que muitos motoristas descem a rua em alta velocidade. "Por sorte, o prejuízo foi só material", afirmou.

A Defesa Civil esteve no local e interditou o acesso da escola, condicionando a liberação à reforma do muro. A empresa KTM Engenharia, dona do caminhão, informou que começou trabalhos de reparo e que está tomando todas as providências para apurar causas do acidente. Além do motorista do caminhão, os ajudantes Robson Gomes da Silva, de 34, e Moisés dos Santos Oliveira, de 21, também foram atendidos no João XXIII com ferimentos leves. Os dois estavam no caminhão.

ENTREVISTA

Alexandre Pimentel, engenheiro,  testemunha do acidente

"Poderia ser uma tragédia”

O engenheiro Alexandre Pimentel, de 36 anos, tinha acabado de deixar a filha no berçário da escola Mundo Feliz. Ele conta que viu o caminhão descer a via e que voltou correndo para dentro da escola. "Foi aterrorizante”, disse.

O que você viu?

Tinha deixado minha filha de 1 ano na escola e estava saindo para trabalhar quando cheguei na mureta e vi o caminhão descendo. Na hora que eu vi que ia bater, voltei correndo para a escola, segurei na grade e vi ele pegando todos os carros que estavam parados por aqui.

A velocidade era muito alta?

Ele desceu muito rápido, a mais de 60 km/h, calculo. Foi aterrorizante. Ele bateu primeiro no meio do meu carro, empurrando os outros dois que também estavam estacionados.

Qual a sensação depois do acidente?

Se é na semana que vem, quando voltam as aulas, poderia ser uma tragédia. É uma sensação de ter nascido de novo. O que me dá mais medo é pensar no quanto estamos expostos.