21/08/2014 07:05 - Valor Econômico
Em dois anos, o Brasil mais do que dobrou a emissão de gases
causadores do efeito estufa para produzir a mesma quantidade de energia. O
regime de chuvas abaixo do esperado e a política de uso pleno das termelétricas
para suprir a demanda foram os responsáveis pelo avanço de uma matriz
energética mais suja, que aumenta o nível de poluição de toda a cadeia
produtiva.
Ao aumentar suas emissões, o Brasil pode perder um dos
trunfos que detinha nas negociações internacionais, além de colocar o país na
contramão da tendência verificada em economias desenvolvidas e emergentes.
O problema não é só no setor de energia. Todos os segmentos
da economia, à exceção do desmatamento, elevaram suas emissões de gases-estufa
- agropecuária, processos industriais e resíduos, além de energia. Nos anos 90,
as emissões por desmatamento significavam 70% das emissões brasileiras e
recuaram para 32% em 2012 - sendo que energia e pecuária, agora, respondem por
30% cada uma. Apesar disso, o Brasil deve cumprir sua meta de corte de emissões
de gases-estufa em 2020, em função da redução do desmatamento e do crescimento
tímido da economia.
Com térmicas, poluição provocada por energia mais que dobra no país
O Brasil mais do que dobrou em dois anos a emissão de gases
causadores do efeito estufa para produzir a mesma quantidade de energia. O
regime de chuvas abaixo do esperado e a política de uso pleno das termelétricas
para suprir a demanda foram responsáveis pelo avanço de uma matriz energética
mais suja, que aumenta o nível de poluição de toda a cadeia produtiva. Ao
emitir mais poluentes, o Brasil pode perder um dos trunfos que detinha nas
negociações internacionais sobre o clima, além de se colocar na contramão da
tendência verificada em economias desenvolvidas e emergentes.
Na comparação entre a média mensal do acumulado de janeiro a
julho de 2012 e o mesmo período deste ano houve crescimento de 182% das
emissões de CO2 na produção de um megawatt-hora (MWh). Dois anos antes - 2010 a
2012, último ano com dados fechados - a emissão total de gás carbônico da
economia brasileira havia caído 3,5%. Segundo especialistas, essa mudança
enfraquece a posição do governo no próximo encontro internacional sobre o
clima, que deve acontecer em dezembro do ano que vem em Paris. A inflexão na
matriz energética acontece em um momento no qual os ganhos obtidos com a bem
sucedida política de combate ao desmatamento estão perto de seu esgotamento e
pode fazer o país voltar a registrar aumento de emissões totais de CO2 na
atmosfera.
O forte crescimento das emissões pelo setor de energia é
verificado no acompanhamento mensal sobre o tema do Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI). Na comparação com o ano passado, o nível de
dióxido de carbono ficou 17% maior neste ano. O fator médio mensal também
mostra crescimento mês a mês das emissões no período.
Esse incremento foi uma resposta do sistema ao nível dos
reservatórios das hidrelétricas, que começaram a baixar no fim do primeiro
semestre de 2012, segundo os relatórios do Operador do Sistema Nacional (ONS),
em função de um verão anterior com chuvas aquém da média histórica. Em junho
daquele ano, o nível dos reservatórios do sistema Sudeste/Centro-Oeste - maior
do país - estava em 72%. Em junho deste ano ele caiu pela metade.
Com menos água e menos capacidade de produção via
hidrelétricas a solução adotada para manter o suprimento à crescente demanda
por energia foi o acionamento de termelétricas movidas a gás natural, óleos
derivados de petróleo e carvão. O movimento mudou a matriz energética
brasileira. A média mensal do acumulado de janeiro a julho de 2012 mostra a
geração por hidrelétricas como responsável por 89% da energia produzida,
enquanto as térmicas responderam por 7,3%. Dois anos depois, na mesma
comparação, as térmicas triplicaram a presença na matriz, para 21,7% do total.
As hidrelétricas caíram para 74,6%.
A presença maior naquele período de hidrelétricas na geração
suavizou ganho de peso que o setor energético teve nas emissões gerais do
Brasil. O último relatório anual disponível do Sistema de Estimativa de Emissão
de Gases do Efeito Estuda (Seeg) do Observatório do Clima, referente a 2012,
apontou recuo anual das emissões totais do país ano a ano desde 2005. As
emissões de gases de efeito estufa por desmatamento caíram pela metade no
período, para 32% do total. A energia, por outro lado, ampliou a presença como
fonte poluente de 14% para 29% em oito anos. O restante de gases causadores do
efeito estufa veio da agricultura e da indústria.
Há hoje dois fatores novos na relação entre economia e
poluição da atmosfera no Brasil, na visão de José Goldemberg, professor emérito
da USP e presidente do conselho de sustentabilidade da FecomercioSP. A primeira
é que o impressionante ritmo de queda da parcela do desmatamento nas emissões
totais do país, dado em um período curto de tempo e que parece ter chegado a um
limite, ajuda a jogar luz no desempenho de outras fontes poluentes, ofuscadas
até então pelo peso do fator desmatamento. A segunda é que como o país está
emitindo mais gases de efeito estufa para sustentar sua matriz energética,
haverá uma mudança na postura brasileira no cenário internacional.
"O Brasil sempre apareceu como um grande herói no
exterior, e de maneira justa, porque foi um dos poucos países do mundo que
reduziu o desmatamento e as emissões. Agora, com as emissões do setor
energético crescendo desse jeito, ele vai perder essa posição privilegiada que
ocupava nas negociações sobre o clima", afirma Goldemberg.
Gustavo Luedemann, coordenador-geral de mudanças globais de
clima do MCTI, ressalta que mesmo com a perspectiva de mais emissões, o Brasil
está em um nível abaixo do projetado pela Política Nacional sobre Mudança de
Clima. Ele classifica como "mais escasso" o potencial de ampliação da
energia via hidrelétricas no futuro. "É natural que as emissões cresçam. A
tendência é que outras fontes fiquem com participação maior na produção total.
Há um custo ambiental grande se optarmos por novas hidrelétricas", diz.
Na visão do governo, pode ser que a emissão total tenha
aumentado nos últimos dois anos, mas a oscilação não é uma tendência de longo
prazo. "Muitos reservatórios devem sofrer com os próximos regimes de
chuva. Esse é o desafio maior. Mas no cenário futuro com o qual estamos
trabalhando, entre 2030 e 2050, o foco está em cada vez mais analisar e
desenvolver cenários econômicos que levem em conta diferentes plataformas de
energia e com isso novas maneiras de mitigar os poluentes que elas
emitem", afirma Luedemann.
Os últimos meses, no entanto, apontam para um recorde do
nível de CO2 na geração de eletricidade. Já em abril, a emissão de 0,131
tonelada do gás para um MWh de energia havia sido a maior para um mês desde o
início da série histórica medida pelo ministério, em 2006. Nos três meses
seguintes, as emissões não pararam de crescer. Os dados de julho, divulgados na
última terça-feira, mostraram-se piores: média de 0,144 tonelada de CO2 /MWh no
mês. Ricardo Dinato, pesquisador do programa brasileiro GHG Protocol, organizado
pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e que mede as emissões do país, ressalta que
o Brasil enverga a economia em uma direção de menor competitividade.
A "pegada de carbono" da atividade, que é o quanto
de poluentes determinado produto causou ao ser produzido, também aumenta junto
com uma energia mais suja sob a ótica do meio ambiente. Ao mesmo tempo, Estados
Unidos e China, que possuem "pegada" maior e matrizes com mais
combustíveis fósseis, colocaram em marcha programas agressivos de redução de emissões.
"Essa sempre foi uma vantagem competitiva nossa, que agora começamos a
colocar em risco se essa tendência não for revertida", diz o pesquisador.
Dinato acredita que ano que vem as emissões devem crescer
sobre este ano na medição do ministério. "Como a situação hidrológica está
cada vez pior, os reservatórios não vão se recuperar já para o ano que
vem", diz para depois lembrar que há forte relação entre o nível de CO2 na
atmosfera e índices pluviométricos. "Mais gases poluentes, mais mudança
climática, mais distorção dos regimes de chuvas. Então, é uma situação que
tende a piorar."
Meta de redução de emissões para 2020 deve ser cumprida
O Brasil deve cumprir sua meta de redução de emissões de
gases-estufa em 2020 em função da queda do desmatamento e de a economia não
estar crescendo no ritmo que era previsto. Todos os outros setores da economia
- agricultura, energia, indústria -, no entanto, têm tendência crescente em
suas emissões e devem chegar a 2020 em curva apontando para cima. O problema é
que o Brasil, um dos dez maiores emissores do mundo, não está se preparando
para os cortes profundos de redução de carbono que deverá ter que fazer a médio
e longo prazo.
Essa leitura faz parte dos relatórios de análise do Sistema
de Estimativa de Emissão de Gases do Efeito Estufa (Seeg) divulgados ontem, na
Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Trata-se de um panorama geral das
emissões brasileiras feito por pesquisadores da sociedade civil. O Seeg analisa
os dados de emissões brasileiras cruzando múltiplas fontes de informação. É
apoiado pela rede de ONGs Observatório do Clima.
O compromisso brasileiro, acertado em 2009, é de cortar
entre 36% a 39% das emissões de gases-estufa em 2020, em relação aos níveis de
1990. Trata-se de uma meta voluntária e não obrigatória. Tudo pode mudar, no
entanto, a partir de 2020. Em 2015, em Paris, espera-se que seja fechado um
acordo climático global para vigorar depois de 2020. Espera-se que neste novo
cenário, os grandes emissores tenham que fazer profundos cortes e reorientar
suas economias para uma rota de baixo carbono.
Para manter o aumento da temperatura em dois graus até o fim
do século, os cientistas dizem que as emissões globais deveriam se estabilizar
em torno a 2020 e ter uma queda forte dali para frente. A tendência brasileira
não é essa.
"As emissões brasileiras caíram, é verdade. Mas agora
todos os sinais são de que vão voltar a crescer e chegarão a 2020 apontando
para cima", diz Tasso Azevedo, coordenador do Seeg. "O Brasil é uma
economia média, país industrializado e um dos grandes emissores. Teria que
estar se preparando de outra forma para o pós-2020."
Nos últimos 14 anos, a evolução das emissões brasileiras
passou por três momentos em comparação às emissões globais. Entre 1990 e 1997
cresceram em ritmo maior que as mundiais. De 1998 e 2004 o compasso brasileiro
acompanhou o global. Depois de 2005 as emissões brasileiras apresentaram forte
redução, enquanto as globais crescem. O motivo foi o controle do desmatamento.
Nos anos 90, as emissões por desmatamento significavam 70%
ou mais das emissões brasileiras. Isso caiu para 32% em 2012. "Quando os
dados das emissões são reorganizados buscando identificar as atividades
econômicas que originam as emissões, observamos que o setor agropecuário é a
principal fonte de emissões no Brasil respondendo por 64% das emissões",
diz o relatório.
A indústria é a segunda maior fonte -19% do total.
Transportes vem em terceiro lugar, com 14% - tudo isso originário no consumo de
combustíveis fósseis.
"Tivemos avanços interessantes, mas não temos visão de
longo prazo", diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do
Clima.
Segundo o relatório, as políticas públicas brasileiras não
estão alinhadas com o compromisso assumido pelo Brasil. "Ainda não
resolvemos completamente o problema do desmatamento nem na Amazônia nem nos
outros biomas", diz Rittl. "O setor de energia tende a ser nossa
principal fonte de emissões. "
Embora o Brasil tenha o Plano de Agricultura de Baixo
Carbono, uma referência para outros planos setoriais, ele é muito tímido em
relação aos investimentos totais do Plano Agrícola e Pecuário. Apenas 3% dos
recursos investidos na agricultura e pecuária em 2012/2013 foram direcionados
especificamente à agricultura de baixo carbono.
"Quando se faz um leilão de energia com termelétrica a
carvão, ou se concentram investimentos na indústria de combustíveis fósseis,
gera-se uma contratação de emissões por, pelo menos, 30 a 40 anos", alerta
o estudo.
O relatório faz recomendações para reverter esse cenário:
zerar o desmatamento, neutralizar as emissões do setor agrícola, reverter a tendência
de queda na participação de fontes renováveis de energia na matriz brasileira.
"O que custa caro não é reduzir emissões. Vamos pagar um preço alto,
porque o Brasil é muito vulnerável à mudança climática e não estamos preparando
nossa economia para que seja mais competitiva no mundo do baixo carbono",
diz Rittl.