05/10/2015 08:41 - Agência Fapesp
Leia o estudo: Mobilidade,
Acessibilidade e Produtividade: Nota sobre a valoração econômica do tempo de
viagem na Região Metropolitana de São Paulo
José Tadeu Arantes / Agência FAPESP – Quanto custa ficar
parado no trânsito em São Paulo? Esta pergunta foi respondida com precisão.
"Hoje, pessoas que trabalham fora de casa gastam em média 100 minutos do dia na
ida e volta entre os locais de moradia e de trabalho. Considerando as
características estruturais da Região Metropolitana de São Paulo e os padrões
de mobilidade verificados em outras cidades do país, seria possível reduzir
esse intervalo de tempo em até meia hora.
O aumento de produtividade resultante faria o Produto
Interno Bruto (PIB) brasileiro, que atingiu o patamar de R$ 5,5 trilhões em
2014, crescer aproximadamente 2,83% -- ou seja, R$ 156,2 bilhões. E isso
acarretaria um adicional de R$ 97,6 bilhões no consumo da população
brasileira.”
O raciocínio é do economista Eduardo Haddad, professor
titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Ele coordenou a pesquisa
"Mobilidade, acessibilidade e produtividade: nota sobre a valoração econômica
do tempo de viagem na Região Metropolitana de São Paulo”.
A pesquisa contou com o apoio da FAPESP por meio do projeto
de auxílio regular "Modelagem integrada de sistemas econômicos
metropolitanos” e de uma bolsa de
pesquisa no exterior "Sistemas econômicos urbanos”.
"Os maiores obstáculos para que a redução do tempo nas
locomoções seja obtida, com todo o benefício econômico que isso acarretaria, é
a grande dependência ao uso do automóvel e o tamanho descomunal da frota de
veículos em circulação na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Essa frota,
que se tornou excessiva para a infraestrutura viária existente, alcançou, em
julho de 2015, o montante de 8.357.762 veículos [Fonte: Departamento Nacional
de Trânsito – Denatran]”, disse Haddad à Agência FAPESP.
Como a população da RMSP foi estimada em 21.090.791
habitantes em agosto de 2015 [Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE], a combinação dos dois números fornece a média de 1 veículo
para 2,5 habitantes. No município de São Paulo, que concentra a maior parte da
frota, a média é de 1 veículo para menos de 2,2 habitantes.
Apenas para efeito de comparação, a população da cidade de
Nova York foi estimada em 8.491.079 habitantes em 2014 [Fonte: City of New York
– Department of City Planning]. Portanto, o número de veículos na Região
Metropolitana de São Paulo é quase igual ao número de pessoas na cidade de Nova
York.
A frota da Região Metropolitana de São Paulo distribui-se em
5.267.392 veículos no município de São Paulo e 3.090.370 veículos nos demais
municípios que compõem a RMSP. "Na última década, a população do município de
São Paulo aumentou 6,6%, enquanto sua frota de automóveis de passeio cresceu
48,2%. No mesmo período, a rede viária (avenidas e ruas) do município
praticamente não mudou, o que significa que passou a ser ocupada por um número
muito maior de veículos. O número de automóveis de passeio por quilômetro
quadrado no município aumentou de 3.765, em 2005, para 5.579, em 2015”,
informou o pesquisador.
Horários de pico
A maior concentração de veículos, gerando lentidão do
tráfego ou congestionamentos, ocorre nos dois horários de pico, no início da
manhã e no final da tarde, que são justamente os horários de deslocamento da
grande maioria dos trabalhadores. De acordo com os dados do último Censo
Demográfico do IBGE, de 2010, dos 6,36 milhões de trabalhadores atuantes no
município de São Paulo, quase 1 milhão residia fora da capital paulista. Na
mesma data, 170 mil trabalhadores paulistanos precisavam se deslocar em sentido
contrário, para alcançar seus locais de trabalho em outros municípios.
"Na maior parte das
sub-regiões que compõem a RMSP, a oferta de empregos é menor do que a população
em idade ativa. A grande exceção ocorre no chamado ‘centro expandido’,
compreendido entre as vias marginais dos rios Tietê e Pinheiros. Com mais de 1
milhão de postos de trabalho excedentes, o ‘centro expandido’ é a principal
bacia de empregos da RMSP, tornando-se, assim, o ponto focal dos deslocamentos
diários dos trabalhadores, com lentidão ou congestionamentos nas principais
vias que o conectam às demais áreas”, afirmou Haddad.
Além disso, o município de São Paulo apresenta um terceiro
horário de pico, pois muitos trabalhadores aproveitam a hora do almoço para
cuidar de seus interesses pessoais. E, como grande parte utiliza o automóvel
para se deslocar, isso provoca um expressivo adensamento do trânsito nesse
horário.
Um quadro comparativo dos tempos médios de deslocamento em
várias regiões metropolitanas do mundo foi composto, em 2014, pelo Toronto
Region Board of Trade, do Canadá. E mostrou que o tempo médio de deslocamento
em São Paulo é maior do que em Tóquio, Nova York, Londres, Paris e Madri, e
ligeiramente menor do que em Xangai, na China. A Cidade do México é o lugar
onde essa variável alcança o maior valor: 142 minutos. Mas é preciso levar em
conta que 4 milhões de trabalhadores se deslocam diariamente para a Cidade do
México a partir de outros municípios – um número quatro vezes maior do que o
registrado em São Paulo.
A pesquisa coordenada por Eduardo Haddad procurou
quantificar o impacto econômico da morosidade do trânsito na Região
Metropolitana de São Paulo. "Primeiro estabelecemos as características
estruturais da RMSP, considerando dados como área do território, área urbanizada,
tamanho da população, níveis de renda da população, preços dos imóveis nas
várias sub-regiões, quantidade e densidade dos postos de trabalho, salário
médio dos trabalhadores etc. Depois, levando em conta essa estrutura, estimamos
um tempo de locomoção que poderíamos classificar como ‘normal’. Esse tempo é da
ordem de 70 minutos. Mas o tempo real excede em aproximadamente meia hora o
valor esperado, chegando a cerca de 100 minutos. O diferencial é o que se chama
no jargão técnico de ‘excesso de fricções de mobilidade’”, explicou o
pesquisador.
Fricções de
Mobilidade
O passo seguinte foi calcular como esse "excesso de fricções
de mobilidade” afeta a produtividade dos trabalhadores [são definidos como
"trabalhadores”, no caso, todas as pessoas que trabalham fora de casa]. E como
sua eventual eliminação se traduziria em acréscimo de produtividade e
correspondente aumento do PIB e do consumo.
"Sabemos que maior
tempo de deslocamento acarreta menor produtividade, porque as pessoas tendem a
chegar mais tarde e sair mais cedo do trabalho, e já chegam aos locais de
trabalho cansadas, devido ao esforço despendido no trânsito”, argumentou
Haddad.
Isso é fácil de perceber. Mas existe também outro fator, não
tão facilmente perceptível, mas talvez até mais importante. "É que tempos de
deslocamento mais curtos geram um mercado de trabalho mais denso, isto é, com
maior número de trabalhadores potenciais a uma dada distância de cada local de
trabalho. E isso acarreta um dos efeitos benéficos da chamada ‘economia de
aglomeração’, que é o fato de os trabalhadores terem mais opções para encontrar
os empregos de sua preferência e de as firmas terem mais opções de contratar os
trabalhadores de que necessitam”, prosseguiu o pesquisador.
Tempos de deslocamento mais curtos aumentam as opções de
escolha tanto dos trabalhadores quanto das firmas, favorecendo os dois lados da
moeda do mercado de trabalho. E isso aumenta a produtividade.
"Nossos cálculos
permitiram estabelecer que, se a meia hora a mais no tempo de deslocamento dos
trabalhadores fosse eliminada, o ganho médio de produtividade seria de
aproximadamente 15,7%. Dependendo da maior ou menor distância entre os locais
de residência e os locais de trabalho, o adicional de produtividade variaria de
12,6% a 18,9%. E esse acréscimo de produtividade causaria um aumento de 2,83%
no PIB nacional, com o correspondente crescimento no nível de consumo dos
trabalhadores”, disse Haddad.
"A cidade de São
Paulo absorveria aproximadamente 50% de todo esse benefício, com um aumento de
10,94% do PIB municipal. Considerando a Região Metropolitana de São Paulo em
seu conjunto, teríamos um aumento de 12,89% do PIB regional e de 18,53% do
consumo dos habitantes”, informou o pesquisador.
Integração de modelos
de grande escalas
O que sua pesquisa fez foi aquilo que, na linguagem técnica,
é chamada de "integração de modelos de grande escala”. No caso, foram
integrados três modelos: o modelo de demandas de viagens, que combina
informações sobre os deslocamentos das pessoas com o levantamento da
infraestrutura física da rede (rotas de ônibus, de metrô, de automóveis etc.);
o modelo de produtividade, estabelecendo relações quantitativas entre estrutura
da cidade, características dos trabalhadores e produtividade; e o modelo
macroespacial de equilíbrio geral computável, que transforma produtividade em
impactos de ordem superior, como PIB e consumo.
"Para fazer esse levantamento, cruzamos dois grandes conjuntos de dados: os dados do último Censo Demográfico do IBGE, de 2010; e os dados da Pesquisa de Origem e Destino, realizada pelo Metrô de São Paulo em 2007, compatibilizados com os valores de 2010”, detalhou Haddad. A pedido da Agência FAPESP, o pesquisador extrapolou posteriormente os resultados com base em estimativas numéricas de 2014, produzindo um quadro bem próximo da situação atual.