01/10/2014 07:20 - Valor Econômico
O discurso refratário à iniciativa privada ficou para trás.
Pela primeira vez em uma campanha presidencial, as concessões na área de
infraestrutura de transportes viraram consenso, com diferenças sutis entre os
três principais candidatos. Hoje se sabe que, independentemente de quem estiver
ocupando o Palácio do Planalto, novos leilões com a previsão de investimentos
bilionários vão agitar o mercado em 2015.
As divergências estão apenas em nuances. O modelo de
concessão de ferrovias adotado pelo atual governo, que nunca despertou grande
apetite do setor privado, é fortemente questionado entre os auxiliares de Aécio
Neves (PSDB). A campanha de Marina Silva (PSB) promete mudar o "caráter
arrecadatório" de algumas licitações, como as do campo de Libra e a da
quarta geração (4G) de telefonia celular. O PSB diz que vai acelerar as
parcerias público-privadas - modalidade de contrato desprezada nos últimos
quatro anos.
Diante da perspectiva de melhoria dos serviços nos seis
aeroportos privatizados até agora, a presidente Dilma Rousseff (PT) pretende
fazer mais leilões no setor, caso se reeleja. Sua equipe já pensa em conceder
outros três terminais. Salvador, Manaus e Porto Alegre são as opções
preferenciais. Todos têm bom potencial de movimentação de cargas e precisam de
investimentos em ampliação. Em conversas preliminares, técnicos do governo
falam na possibilidade de exigir a construção de um novo aeroporto na capital
gaúcha pela futura concessionária. Enquanto ele não ficar pronto, o consórcio
vitorioso no leilão exploraria o Salgado Filho, aeroporto atual.
Um desafio para Dilma é sanear a Infraero, que perdeu metade
de suas receitas operacionais e agora tenta ajustar as contas. O plano de
demissões voluntárias da estatal deverá custar R$ 750 milhões. Sua perspectiva,
no entanto, não é necessariamente ruim. Ela começará a receber dividendos,
devido à participação de 49% que detém nos terminais concedidos, até o fim do
próximo governo. Em 2016, espera-se que esteja com as contas em dia e apta para
uma abertura de capital. Enquanto isso, uma subsidiária - a Infraero Serviços -
será estruturada para cuidar da operação de aeroportos regionais, em parceria
com a espanhola Aena ou com a alemã Fraport.
Se reeleita, Dilma pretende lançar o edital da Ferrovia de
Integração do Centro-Oeste (Fico) no primeiro trimestre do ano que vem. A
ferrovia, com 883 km de extensão entre Lucas do Rio Verde (MT) e Campinorte
(GO), deverá inaugurar o novo modelo de concessões no setor.
Outra aposta é em um plano de investimentos em corredores
fluviais. A hidrovia Araguaia-Tocantins entra na lista de potenciais
concessões. O governo chamaria uma empresa para administrá-la e bancar obras
como balizamentos e dragagem. Em um segundo mandato, a equipe de Dilma também
quer entregar à iniciativa privada mais quatro lotes de rodovias federais, mas
as empreiteiras têm fortes dúvidas sobre a viabilidade dos projetos. Os estudos
já estão em fase final de preparo.
No programa de Marina, chama atenção a possibilidade de que
trechos mais curtos de rodovias sejam concedidos, com vistas a viabilizar a
participação de empreiteiras de menor porte. Segundo o documento, a medida vai
reduzir os custos de manutenção das estradas e dar agilidade às obras, por
conta "da diminuição da burocracia envolvida hoje no processo".
Um dos responsáveis pelo programa da candidata do PSB, o
economista Alexandre Rands diz que, se eleita, Marina vai acelerar as
concessões de estradas, portos, ferrovias e aeroportos, mas também pretende
intensificar as PPPs, deixadas de lado durante a administração Dilma. De acordo
com ele, a principal diferença em relação ao atual governo é que as concessões
de Marina "não terão caráter arrecadatório".
"O modelo de concessões que imaginamos é bem parecido
com aquele que Dilma fala, mas bem diferente daquele que ela, de fato,
implementa", ironiza Rands. Ele menciona as bilionárias licitações do
campo de Libra, no pré-sal, e das frequências de 700 Mhz da telefonia móvel 4G para
criticar o apetite arrecadatório que o governo demonstra ao licitar
empreendimentos ao setor privado. O programa do PSB ressalta que os processos
licitatórios vão considerar a menor tarifa para o consumidor final, desde que
satisfeitos os níveis de qualidade dos serviços.
A campanha de Marina não especifica quais concessões estão
no radar. Apesar de ter sido escalado para debater infraestrutura com os
representantes das candidaturas rivais, Rands admite que não é do ramo. Seu
irmão, o coordenador do programa de governo do PSB, Maurício Rands, disse ao
Valor que quem mais entende do assunto no partido é o candidato a
vice-presidente, Beto Albuquerque, que já foi secretário de Infraestrutura no
Rio Grande do Sul.
O PSDB também defende uma agenda ousada na área de
concessões. A legenda promete entregar mais rodovias e aeroportos ao setor
privado, mas deixa claro que há diferenças com o atual governo. Para o
economista Samuel Pessôa, um dos auxiliares mais próximos de Aécio, não há
necessidade de uma participação "tão grande" da Infraero nos
consórcios que administram os aeroportos concedidos e falta
"transparência" às privatizações de rodovias.
Na avaliação do tucano, em vez de juros subsidiados no
financiamento do BNDES para viabilizar tarifas de pedágio menos salgadas aos
usuários, o modelo mais adequado é usar PPPs. Por esse caminho, o governo pode
bancar uma parte da tarifa, quando não há tráfego suficiente para o equilíbrio
financeiro de uma concessão "pura".
Um dos "erros" petistas que o PSDB pretende corrigir,
segundo Pessôa, é o modelo criado para leiloar novas ferrovias. Dilma optou
pela desverticalização do sistema - a concessionária responsável pela
construção das estradas de ferro vende o direito de uso dos trilhos à estatal
Valec, mas não pode atuar como transportadora de carga. O objetivo é estimular
a concorrência e garantir livre passagem de qualquer operador. "Apesar de
ser uma ideia bonita, quando observada no papel, a experiência internacional
demonstra que há enormes complexidades. Os custos de transação são tão grandes
que não compensam os ganhos concorrenciais", diz o economista.
O ponto crucial, segundo Pessôa, é trazer mais investidores
para a infraestrutura. "As grandes empreiteiras brasileiras já estão
bastante alavancadas", afirma. Para isso, conclui, é necessário dar
clareza às regras e recuperar a credibilidade das agências reguladoras.
Programa convive com
avanços e atrasos
O programa de concessões de infraestrutura de transportes
viveu situação paradoxal no governo Dilma Rousseff. Houve avanços nas áreas de
rodovias e aeroportos, segmentos em que se encontrou um caminho para permitir
investimentos. Mas as concessões de portos e ferrovias não deslancharam,
porque, na avaliação do setor privado, o governo propôs metas ambiciosas demais
e teve pressa em executá-las sem projetos consistentes para fazer as
licitações. Como resultado, houve questionamentos do Tribunal de Contas da União
(TCU). O governo também mexeu nas regras dos dois setores na esperança de
atrair investimentos, mas até hoje não conseguiu licitar terminais em portos
públicos nem tirou do papel a construção de novos trechos ferroviários.
O Programa de Investimentos em Logística (PIL), lançado em
2012, previu investimentos de R$ 144 bilhões em até 30 anos em rodovias e
ferrovias. "O governo fez uma série de projetos para as ferrovias, mas que
não estavam detalhados para ir à licitação e os investimentos estavam subavaliados",
disse Luis Henrique Baldez, presidente da Associação Nacional dos Usuários de
Transporte de Carga (Anut). Em agosto, o Ministério dos Transportes autorizou
empresas privadas a elaborar estudos de viabilidade para seis trechos
ferroviários do PIL, que somam 4,6 mil km, por meio de Propostas de
Manifestação de Interesse (PMI).
"Os estudos levam pelo menos um ano para serem
realizados e, assim, só teríamos licitação [dos seis trechos] em 2016",
disse Baldez. A preocupação da Anut é que, enquanto a demanda cresce, como no
caso da agricultura, a infraestrutura continua parada. "Na situação atual,
só teremos ferrovia nova lá por 2020, considerando que a construção de um
trecho novo leva, em média, cinco anos para ficar pronta", disse o executivo.
Consultor que preferiu não se identificar afirmou que a
contratação dos estudos via PMI não resolve o problema pois ao contratar os
estudos junto a empreiteiras os projetos tendem a ficar caros. Para o
executivo, o problema no setor ferroviário foi o "açodamento" do
governo em anunciar um grande número de lotes para concessão. "O prazo era
mais importante do que a qualidade do trabalho."
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) reconhece que as
licitações rodoviárias passaram por aperfeiçoamentos e que agora é preciso dar
continuidade ao programa para o setor. A CNI avalia que a infraestrutura
aeroportuária, embora tenha melhorado, precisa de planejamento de longo prazo
mais definido. Os maiores problemas estão nos portos e ferrovias. A Secretaria
de Portos (SEP) identificou 159 áreas nos portos organizados passíveis de
arrendamento. Mas a CNI lembra que os editais e contratos dos blocos portuários
a serem licitados foram objeto de questionamentos pelo TCU, o que atrasou o
processo.
"O que dependia do Executivo, sem fatores exógenos, vai
bem", disse o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários
(Antaq), Mário Povia. A agência aprovou a prorrogação antecipada da concessão
de cinco terminais arrendados que vão investir mais de R$ 6 bilhões, disse
Povia. Ele não conseguiu explicar, porém, por que ocorre tanta demora na
aprovação do primeiro lote de concessões portuárias pelo TCU.
Apesar de alguns pedidos terem passado pela Antaq, as
autorizações de prorrogação antecipada no segmento de contêineres ainda não
foram concedidas pela SEP, disse Sérgio Salomão, presidente da Associação
Brasileira dos Terminais de Contêineres de Uso Público (Abratec). A entidade
tem nove terminais associados que aguardam o "sinal verde" da SEP
para investir R$ 4 bilhões, disse Salomão.
José de Freitas Mascarenhas, presidente do conselho de
infraestrutura da CNI, afirmou que é prioritário para o Brasil dobrar os
investimentos em infraestrutura. "O Brasil vem investindo nos últimos anos
cerca de 2,5% do PIB em infraestrutura, mas precisa, no mínimo, dobrar esse
percentual." Ele defende uma mudança de gestão na governança do setor
público, que gasta pouco em relação aos valores orçados.
Cleverson Aroeira, chefe do departamento de logística do
BNDES, disse que o caminho para aumentar o investimento em infraestrutura é
contar com um portfólio de projetos e ter marco regulatório consolidado, além
de uma programação de projetos a serem licitados ano a ano.
Em 2014, o BNDES deve desembolsar R$ 12 bilhões para
projetos de infraestrutura logística, com alta de 26% sobre os R$ 9,5 bilhões
de 2013. O aumento será puxado por projetos de rodovias e aeroportos. Se o
programa de concessões de ferrovias deslanchar, o banco projeta desembolsos
totais para a área de infraestrutura logística de R$ 17 bilhões e de R$ 22
bilhões, respectivamente, em 2015 e 2016. Mas os números podem ser menores se o
PIL das ferrovias não andar.
Ontem, o superintendente de infraestrutura do BNDES, Nelson
Siffert, descartou que o banco vá rever a taxa de juros para apoio às
concessões de rodovias no PIL. O BNDES financia com TJLP mais spread de 2%.
Desse spread, 1,5% é o máximo que bancos privados repassadores dos recursos do
BNDES recebem, e o 0,5% restante fica com o banco de fomento. Os bancos
privados querem aumento no spread alegando que, do contrário, não sabem se vão
participar.
"Vamos oferecer aos bancos prazo diferenciado de
repasses. O tempo máximo de financiamento é 25 anos, e vamos oferecer prazos
menores, de 10, 15 anos. Quanto maior o prazo, maior o spread, limitado a
1,5%", disse Siffert.
Brasil tem pior
logística dos Brics, mas nível de investimento começa a crescer
O Brasil tem a pior infraestrutura de transportes dentre os
países integrantes do bloco dos Brics (composto por Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul) e, mesmo com o aumento do nível de investimento no setor,
ainda não investe o suficiente para mudar esse cenário. Pelo contrário: neste
ano, as condições logísticas do país pioraram em relação a outras nações.
No relatório anual de competitividade do Fórum Econômico
Mundial, divulgado mês passado, o Brasil saiu da 107ª posição no ranking de
transportes do ano passado para a 120ª colocação (considerando 144 países).
Fica atrás, por exemplo, de México, Vietnã e Etiópia.
Enquanto isso, dados reunidos pelo Credit Suisse mostram que
o nível de investimento em transportes no Brasil (em relação ao PIB) caiu pela
metade desde os anos 70. Naquela década, o país investiu uma média de 2% do PIB
em logística. Nos anos 80, o número baixou para 1,5%. Depois de ficar em 0,6%
nas décadas de 90 e 2000, o número subiu para 0,7% em 2012 (dado mais recente
no levantamento do banco). Em 2013, de acordo com cálculos da Inter.B
Consultoria, cresceu para 1% (para 2014, a projeção é de 1,2%).
"Infraestrutura tem que ser uma política de Estado, não de um governo ou
de outro", diz o fundador da Inter.B, Cláudio Frischtak, que publicou
estudo sobre o assunto.
Diante da carência logística no país, o próprio governo de
Dilma Rousseff admitiu a maior participação do mercado nos investimentos. Com
isso, anunciou em 2012 o multibilionário pacote de concessões no setor.
Aplaudido pelos empresários, o programa levou um banho de água fria logo na
primeira entrega de propostas: nenhum interessado apareceu para disputar a
BR-262 (em trecho que vai de Minas Gerais ao Espírito Santo). Para os investidores,
havia vários riscos, principalmente de viabilidade do negócio.
Apesar de os leilões de estradas e aeroportos terem
deslanchado, as travas permaneceram em portos e ferrovias. Um dos principais
motivos do pouco interesse em parte das concessões é a incerteza das empresas
diante das modelagens. Tanta seletividade, no entanto, é bem-vinda, defende
Frischtak. "O envolvimento do setor privado se tornou imprescindível, e
não somente por conta das restrições fiscais [do país]. Razão mais importante é
o filtro que o setor privado estabelece quanto à qualidade dos projetos, a
eficiência na execução e a qualidade dos serviços resultantes", diz o
autor em seu estudo.
Para ele, ainda há bastante espaço para concessões e
parcerias público-privadas (PPPs) em rodovias e aeroportos em um próximo
governo. Além disso, diz, é preciso dar continuidade ao processo em portos e
ferrovias.
Fernando Camargo, economista da LCA Consultores, acredita
ser fundamental aprimorar os mecanismos de financiamento, principalmente no modelo
de "project finance" (quando as garantias para o empréstimo são as
receitas futuras do empreendimento, e não ativos do investidor), para que os
balanços das empresas não fiquem limitados. Para ele, o Estado deve aumentar a
participação no fornecimento de garantias. Outro dos principais pontos a serem
melhorados, diz, é a qualidade dos projetos de engenharia.
Joísa Campanher Dutra, coordenadora de estudos sobre
infraestrutura na Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que o governo precisa
melhorar aspectos de transparência sobre seus planos para o setor. "O
investidor hoje disputa uma rodovia, mas depois pode ser profundamente afetado
por um novo trecho ferroviário", diz.
Os especialistas também lembram da necessidade da atuação
das agências reguladoras para as obras privadas cumprirem os prazos. Paulo
Fleury, do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), cita como exemplo o
aeroporto de Viracopos - controlado desde 2012 por Triunfo, UTC e Egis -, cujas
obras deveriam ter sido entregues antes da Copa (que começou em junho), mas
ainda continuam. A empresa cita dificuldades com licenciamentos ambientais e o
tamanho do empreendimento.