27/04/2015 08:33 - O Tempo - BH
No Brasil, quando um cliente busca um produto ou serviço
diferenciado, ele naturalmente associa qualidade e melhor acabamento ao maior
preço. No âmbito do poder público, quando se trata da contratação de obras, o
critério mais usado pelos gestores é a proposta mais barata – e a
justificativa, na maioria das vezes, é a maior agilidade no processo
licitatório. À primeira vista, a escolha pelo menor preço parece ser o caminho
natural, mas vale lembrar que a Lei de Licitações (8.666/1993) estabelece que
as contratações sejam feitas por pelo menos um entre três critérios: o do menor
preço, o da melhor técnica ou por ambos, o chamado "técnica e preço”.
Em um cenário como o atual, no qual sete viadutos
recentemente licitados e construídos apresentaram problemas estruturais, O
TEMPO apurou que mais de 70% das concorrências para planejamento e construções
viárias e de espaços públicos são feitas pelo critério do menor preço. Esse
percentual se confirma nos projetos e obras de mobilidade urbana para a Copa do
Mundo, e também nos editais abertos pela Secretaria Municipal de Obras e
Infraestrutura (Smobi) e pelos departamentos Nacional de Infraestrutura de
Transportes (Dnit) e de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG).
Quando se trata da contratação para a execução da obra em
si, pode-se dizer que 100% dos editais seguem o critério do menor preço,
enquanto o de técnica e preço, que leva em conta, além da economia, o
detalhamento da proposta, é usado basicamente para contratação de projetos
executivos ou planos e ações de fiscalização. E mais: há projetos de engenharia
e de segurança viária, que exigem a escolha das melhores técnicas, sendo
contratados com base apenas no menor preço – caso da duplicação da BR–381, que
teve os lotes licitados pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas
(RDC).
Análise. "A compra de qualquer produto deve levar em conta
preço, tempo de planejamento e qualidade. Qualquer desvio nesse escopo gera
problemas”, avalia o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia
de Minas Gerais (Crea-MG), Jobson Andrade.
No caso do complexo de viadutos da avenida Pedro I, em Belo
Horizonte, somente os projetos foram licitados pelo critério técnica e preço,
na modalidade concorrência pública da Lei de Licitações. Já a execução das
obras, que, segundo perícia da Polícia Civil, teve falhas, seguiu o menor
preço. "Quanto mais complexo for o trabalho, mais importante é a manutenção do
critério qualidade em todas as etapas do certame”, defende a diretora do
Instituto dos Advogados de São Paulo, Raquel Elita Alves Preto.
O mestre em direito público pela UFMG e professor do Centro
Universitário Una Felipe Mucci explica que a própria Lei 8.666 estabelece, em
seu artigo 46, que os tipos de licitação "técnica e preço” ou "melhor técnica”
devem ser usadas "exclusivamente para serviços de natureza predominantemente
intelectual”, como elaboração de projetos e supervisão de obras. "Mas, mesmo
nas licitações de menor preço, o gestor tem obrigação de exigir qualidade em
todo o processo”, pondera.
Engenheiros e advogados ouvidos pela reportagem acreditam
que as leis de contratação de serviços devem ser mudadas e que o poder público
precisa ter mais rigor nas seleções, para evitar correções comuns – e até mesmo
tragédias – em obras viárias. "A qualificação técnica deveria ser decisiva em
todas as etapas. Uma construtora poderia, por exemplo, apontar quais
equipamentos seriam usados, se eles são os mais modernos e indicados, se usaria
pessoal técnico próprio ou terceirizado etc.”, argumenta o engenheiro civil
Berilo Torres.
A Prefeitura de Belo Horizonte acredita que a escolha pelo
menor preço é uma forma de assegurar a igualdade nas licitações e não propiciar
vantagem em razão da qualificação técnica adicional do licitante, "exatamente
pelo fato de se tratar de obras e serviços corriqueiros”. O DER-MG defende que
o critério do "mais barato” oferece mais agilidade ao certame. O órgão
assegurou, no entanto, que a garantia da capacidade dos candidatos é feita na
fase de habilitação técnica e que o gerenciamento da obra avalia a qualidade do
serviço prestado.