30/10/2014 07:25 - O Globo
BRASÍLIA E RIO- Rafael tem dois meses de vida eé o primeiro
filho da jornalista Flávia Lopes, de 32 anos. Casada há cinco anos, ela vive
com o marido em Juiz de Fora (MG) e planejou todo o processo para a chegada do
bebê. Eles esperaram por mais segurança profissional e financeira. A hora certa
veio quando Flávia foi aprovada num concurso público e concluiu o mestrado.
— Havia uma série de etapas profissionais que queria
concluir antes de ser mãe — conta. — Além de ter mais estabilidade, pude contar
com licença maternidade de seis meses.
Não é apenas Flávia que pondera o momento da gravidez. As
mulheres brasileiras estão tendo menos filhos e, quando engravidam, o fazem
cada vez mais tarde. O número de nascimentos caiu 13,3% entre 2000 e 2012,
quando a taxa de fecundidade foi de 1,77 filho por mulher, contra 2,29 em
relação ao período anterior. Além disso, já são 30% das brasileiras que têm o
primeiro filho depois dos 30 anos (sendo de 22,5% em 2000). As conclusões são
da pesquisa "Saúde Brasil”, divulgada ontem pelo Ministério da Saúde.
— Os dados estão refletindo duas grandes revoluções do
século passado: a feminina, quando a mulher passa a optar pela idade da
reprodução; e a da longevidade, com o aumento da esperança de vida — comentou
Laura Machado, da ONG HelpAge Internacional.
POPULAÇÃO BRASILEIRA ENCOLHENDO
O estudo mostra que desde 2005 a taxa de fecundidade tem se
mantido abaixo de 2,1 filhos por mulher, ou seja, menor do que a necessária
para que a população não venha a diminuir no futuro. Além disso, o índice de
mulheres abaixo de 19 anos com filhos caiu de 23,5% para 19,2%.
Para a diretora do Departamento de Ações Programáticas e
Estratégicas do Ministério da Saúde, Thereza de Lamare Franco Netto, o aumento
da idade para ter o primeiro filho indica aspectos positivos, como maiores
oportunidades no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, traz algumas
preocupações, uma vez que, quanto maior a idade, maior também a dificuldade de
engravidar.
— Elas estão buscando uma estabilidade maior para ter seu
primeiro filho. Isso mostra um avanço nas oportunidades no trabalho e também na
programação da gravidez e no acesso a métodos contraceptivos — exemplifica.
A médica Luciana Nicodemus, de Petrópolis (RJ), seguiu essa
linha de raciocínio. Formada aos 26 anos e casada aos 29, ela preferiu esperar
um bom momento profissional para engravidar pela primeira vez. No ano passado,
aos 36, foi a hora de se preparar para a chegada de Lívia.
— Queria curtir o casamento por alguns anos e estar com a
vida mais estabelecida. Ser mãe mais madura é mais fácil. Acho que essa
maturidade ajuda a conduzir melhor uma boa educação da criança — avalia,
dizendo que ainda planeja mais um filho.
Mas, num país de contrastes e proporções continentais, a
tendência não é homogênea. Nas camadas de menor escolaridade e em regiões menos
desenvolvidas, as famílias são maiores, e as adolescentes ainda têm filhos por
falta de planejamento. A Região Norte está acima da taxa de reposição: 2,24
filhos por mulher, enquanto que a Sul tem a menor taxa: 1,66. As mães com 30
anos ou mais são mais numerosas no Sudeste (34,6%) e no Sul (33,6%). Em seguida
vêm Centro-Oeste (28,8%), Nordeste (26,1%) e Norte (21,2%).
Entre as mulheres com 12 anos ou mais de estudo, 45,1% têm o
primeiro filho depois dos 30. No faixa de menor escolaridade (até três anos de
estudo), 51,4% têm filhos antes dos 20. No grupo entre quatro e sete anos de
estudo, o grupo de mães com filhos antes dos 20 chega a 69,4%.
— Mesmo com uma tendência de queda, a América Latina, com
exceção da África Subsaariana, ainda tem a maior fecundidade da adolescência no
mundo — pondera José Eustáquio Alves, professor da Escola Nacional de Ciências
Estatísticas, lembrando que é alto o índice de gravidezes indesejadas na
adolescência, fruto, diz, do pouco acesso a contraceptivos e da baixa educação
sexual.
Já Laura Machado, da HelpAge, cobra mais políticas para
idosos, visto que a tendência é de envelhecimento:
— A grande questão é: quem vai cuidar de quem? Pois mães
mais velhas, que requisitariam a ajuda das avós na criação dos filhos para se
manterem no mercado de trabalho, precisarão, ao contrário, cuidar tanto de
filhos quanto das mães, já idosas e mais dependentes.
SURTO DE CESÁREAS
Segundo o Ministério da Saúde, esse processo de
envelhecimento vai se intensificar, levando à estabilização do crescimento
demográfico em duas décadas. A partir daí, as perspectivas são de redução da
população do país.
— A população está envelhecendo rapidamente. E isso tem a
ver com a taxa de reposição, que está insuficiente — avalia Thereza de Lamare.
Segundo a pesquisa, de cada quatro nascimentos, em três houve pelo menos seis consultas de pré-natal, o mínimo recomendado. Entre 2003 e 2012, o número de consultas cresceu 87%. A pesquisa também mostrou aumento de 47% no número de cesarianas entre 2000 e 2012. Os altos números levaram o ministério e a Agência Nacional de Saúde Suplementar a anunciar há duas semanas propostas para incentivar o parto normal.