Após um cansativo dia de trabalho, o vigilante Renato
Maranhão entrou em um ônibus com destino ao Guará. Na cidade, solicitou a
parada, mas o motorista ignorou. O trabalhador, de 29 anos, atravessou toda a
extensão do coletivo e exigiu explicações do condutor, que respondeu de forma
grosseira. Irritado, o rodoviário deixou Renato quatro pontos depois, a quase
dois quilômetros do destino final do passageiro. Ao descer, o vigilante fez
gestos obscenos para o motorista. Inconformado com a provocação, o funcionário
da empresa de transporte público, com o auxílio do cobrador, começou a bater em
Renato. O episódio só não teve consequências mais graves graças a pessoas que
interferiram na agressão.
O caso ocorreu em fevereiro e segue o mesmo enredo que levou
à morte o frentista Everton Mizael de Oliveira Santos, 28 anos, na última
quinta-feira. Depois de discutir com um motorista da empresa Taguatur, ele
acabou imobilizado por três rodoviários que pegavam carona. A causa da morte
ainda não foi divulgada, mas a principal suspeita é a de que Everton ficou sem
ar depois levar uma gravata (leia Memória).
Nas duas situações, o conflito entre usuários do sistema e
trabalhadores das viações levou a agressões desmedidas. E são exemplos práticos
de um levantamento do Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans) que
confirma a relação difícil dentro dos coletivos da capital do país. No ano
passado, das cerca de 15 mil reclamações recebidas pelo órgão contra empresas
do ramo, 29% (4.462) eram referentes ao mau comportamento de motoristas e
cobradores (veja Arte).
Para o especialista em psicologia de trânsito e professor da
Universidade de Brasília (UnB) Hartmut Gunther, o precário sistema de
transporte do Distrito Federal contribui para os embates. "Você tem de um lado
o motorista, que fica oito horas num veículo barulhento, desconfortável e num
engarrafamento enorme. Do outro, o passageiro, que saiu do trabalho cansado e
tem de enfrentar um ônibus lotado, e que, em alguns casos, leva mais de duas
horas para chegar em casa. Isso é um barril de pólvora pronto para explodir.
Qualquer problema pequeno fica potencializado”, afirmou.
O docente defende ainda que as empresas invistam no
treinamento dos profissionais. "A preparação de um rodoviário deve contemplar
disciplina sobre cidadania. Pela natureza da função, eles ficam vulneráveis a
‘explodir’ numa discussão e, quando situações de conflitos surgirem, devem estar
preparados para lidar com isso”, reforçou Hartmut Gunther.
Frota nova
Embora reconheça que parte dos conflitos se dê em razão da
precariedade dos coletivos que operam na cidade, o diretor-geral do DFTrans,
Marco Antônio Campanella, lembrou que os transtornos serão minimizados com a
renovação da frota, já em curso em Brasília. "Nada justifica comportamentos
desrespeitosos, mas é óbvio que levamos em consideração o fato de o motorista
trabalhar em um sistema arcaico e obsoleto. Agora, com a renovação do sistema,
o trabalhador vai atuar em coletivos modernos, confortáveis, com um sistema de
segurança eficiente. Isso vai fazer com que ele se sinta mais valorizado e,
consequentemente, melhore o trato com o passageiro”, destacou Campanella.
Jorge Farias, vice-presidente do Sindicato dos Rodoviários
do DF, reconhece que o estresse é o principal causador das brigas nos ônibus.
Ele admite também a existência do corporativismo entre cobradores e motoristas
nos conflitos. "Temos companheiros que são agredidos gratuitamente. No calor do
momento, é natural que um ou outro responda. E é compreensível ainda que o
cobrador tome as dores. O que deveria ser feito seria melhorar as condições,
pois o nosso trabalho é insalubre”, protestou.
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Telefone para reclamações sobre o transporte público no
Distrito Federal. Ao ligar, escolha a opção 4
Memória
Morte no coletivo
Na noite do último dia
29, o frentista Everton Mizael de Oliveira Santos, de 28 anos, acabou morto no
Eixo Monumental dentro de um ônibus da Viação Taguatur que fazia a linha Águas
Lindas–Plano Piloto. Segundo a polícia, o trabalhador teria ficado irritado
porque o motorista não parou no ponto solicitado por ele. Os dois começaram a
discutir. Outros três rodoviários que pegavam carona no coletivo interferiram
na confusão e seguraram o frentista. O resultado do Instituto de Medicina Legal
(IML) ainda não foi divulgado, mas existe a suspeita de que Everton morreu em
virtude de uma gravata aplicada por um dos rodoviários. O golpe consiste em
imobilizar o oponente apertando o pescoço dele com o antebraço. Everton morreu
na hora. Ao ver o frentista desacordado, o condutor do ônibus pediu auxílio a
uma equipe do Departamento de Trânsito (Detran) que controlava um semáforo com
defeito na região. O motorista da Taguatur e os três colegas — também da
empresa — foram indiciados pelo crime de homicídio culposo, quando não há a
intenção de matar. Eles respondem ao processo em liberdade.