Viciado em rodas

28/11/2015 08:00 - Folha de SP

HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO - Você gostaria de ser operado por um cirurgião viciado em crack? Voaria com um piloto dependente de heroína?

O cérebro humano é um trapaceiro. Quando ele não sabe a resposta para uma pergunta, cata a primeira "verdade" remotamente aparentada à questão original e a eleva à categoria de solução. Como a resposta às duas perguntas iniciais é um óbvio e sonoro "não", tendemos a estendê-la a tudo o que tiver a menor relação com o uso de drogas e atividades profissionais, deixando de proceder a distinções importantes.

Foi nessa armadilha que caíram nossos parlamentares ao aprovar, na Lei dos Caminhoneiros, dispositivo que vincula a manutenção da carteira de habilitação profissional à realização de exames toxicológicos periódicos. Pela norma, o teste precisa detectar, com janela mínima de 90 dias, o uso de substâncias psicoativas que causem dependência ou comprometam a capacidade de direção.

Como ninguém quer correr o risco de cruzar com um "junkie" no comando de um bólido de 20 toneladas, fica até difícil ser contra essa regra. Mas, se a examinarmos melhor, veremos que suas implicações não são poucas nem triviais.

Para começo de conversa, ela é ampla demais. É absolutamente irrelevante para a segurança das estradas se o caminhoneiro tomou um porre ou fumou um baseado uma semana antes de sentar-se ao volante.

O exame, porém, classificaria essas situações como de risco e o profissional não apenas ficaria sem carteira de habilitação como ainda teria de ser encaminhado para o SUS para fazer tratamentos de que provavelmente não precisa. Em alguns desses casos, seria, também sem necessidade, encostando pelo INSS.

Ademais, laboratórios brasileiros não fazem o teste, de modo que o material terá de ser encaminhado para os EUA, elevando o custo do exame. São muitos efeitos colaterais para ganhos discutíveis em segurança.