Rodoanel pode ter desvios de até R$ 1,3 bi

12/04/2016 08:00 - Valor Econômico

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André Guilherme Vieira

O Ministério Público apura a existência de suposto esquema de superfaturamento em desapropriações com desvios de até R$ 1,3 bilhão dos cofres do governo estadual paulista no trecho Norte do Rodoanel, em Guarulhos (SP). Com investimentos de R$ 6,8 bilhões, a obra é uma das vitrines políticas do governador Geraldo Alckmin (PSDB), um dos nomes tucanos cotados para disputar a eleição presidencial em 2018. As desapropriações são definidas pelo Desenvolvimento Rodoviário S.A (Dersa) e outra autarquia, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), indica peritos administrativos que propõem valores para as áreas. Os proprietários têm direito a contestar essa avaliações. A Justiça, então, nomeia peritos judiciais para reavaliar os terrenos.

A própria Dersa solicitou providências. As investigações apontam indícios de envolvimento de ao menos três peritos nomeados pela Justiça da Fazenda Pública de Guarulhos e dos escritórios de advocacia Trama, Sugiyama & Kasten e Tessler, Martins, Araújo, na supervalorização - de até 1000% - dos laudos de desapropriações, segundo documentos enviados pela Dersa à Procuradoria Geral do Estado (PGE), em 2014.

Ao todo, 28 pessoas físicas e jurídicas já tiveram seus sigilos fiscal e bancário quebrados por ordem da Justiça criminal de Guarulhos. O Valor obteve acesso com exclusividade a documentos que levaram à instalação de um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) em que se investiga ocorrência de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A investigação, no entanto, foi tornada sigilosa e a promotoria não se manifesta sobre o caso.

Há 591 processos de desapropriação no Rodoanel Norte, sendo que 475 tramitam judicialmente e 35 administrativamente. Existem ainda 81 processos em fase inicial de desapropriação, que poderão ter andamento pela via judicial ou administrativa.

Procurado, o sócio do escritório Trama, Sugiyama & Kasten, Benedito Trama, negou irregularidades nas ações de desapropriação.

"Os valores oferecidos pelo DER são ínfimos, próximos dos venais. E ocorre que, pela própria lei, o juiz não aceita esse valor para efeito de imissão. Ele manda o perito fazer uma avaliação provisória, para que se chegue a um preço justo", afirma. Trama critica o método de avaliação adotado pelos peritos do DER. "Eles não querem nem saber. Falam que os valores são um absurdo", diz. Sócio do escritório Tessler, Martins, Araújo, o advogado Tiago Tessler também nega superfaturamento nas oito ações de expropriação em que atua.

"Eu posso comprovar documentalmente para você mais de 370 casos em que há divergências enormes de valor na áreas desapropriadas. O próprio DER tem perícias com valores díspares. Isso não quer dizer que haja superfaturamento. E é só o DER que diz isso, porque seus peritos querem pagar valores mínimos pelos terrenos", argumenta.

"O fato é que eles [Dersa e DER] oferecem R$ 50 por metro quadrado. E eu te pergunto: quem é que está errado? O DER, os peritos ou o juiz?", indaga o advogado".

O Tribunal de Justiça de São Paulo informou, por meio da assessoria de imprensa, que os magistrados das varas de Guarulhos que autorizaram os saques das contas não podem se pronunciar sobre processos em andamento.

Foi a partir de análises da Dersa que se identificou diferença expressiva entre o valor da oferta inicial feita pelo DER e o apurado em laudo - fato que aponta para indícios de fraudes que teriam sido cometidas pelos peritos judicialmente nomeados.

A Dersa é uma empresa de economia mista controlada pelo governo de São Paulo e responsável pela gestão integral do trecho Norte do Rodoanel, obra que abrange as cidades de São Paulo, Guarulhos e Arujá.

A documentação destaca casos em que o DER depositou valores para garantir a posse provisória de área desapropriada (imissão) e a Justiça de Guarulhos autorizou a liberação de até 80% do total depositado em conta judicial.

De acordo com o decreto lei nº 3365 de 1941, o desapropriado, ainda que discorde do preço oferecido, arbitrado ou fixado pela sentença, poderá levantar até 80% do depósito feito pelo Estado.

Em um dos episódios mencionados nos autos, o DER apresentou como oferta inicial a quantia de R$ 13 milhões. No entanto, laudo prévio elaborado por um dos três peritos sob investigação atingiu o montante de R$ 80 milhões. Ocorre que, desse total, mais de R$ 68 milhões foram liberados para saque por ordem da Justiça em março de 2014 - antes mesmo que a decisão judicial tivesse sido publicada no Diário Oficial, o que só ocorreu no mês seguinte, segundo revelam os documentos.

O Ministério Público também questiona o cálculo para desapropriação adotado pelos peritos judiciais investigados.

O esquema contaria ainda com a lavagem do dinheiro supostamente desviado por meio de transferências eletrônicas e depósitos que irrigaram contas de imobiliárias, agências de turismo, incorporadoras e de uma empresa de avaliação em engenharia civil, de acordo com a investigação.

Relatório de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda (Coaf) apontou movimentação de recursos incompatível com o patrimônio dos investigados.

Em um período de seis meses, em 2014, a conta de um desses investigados recebeu mais de R$ 1,8 milhão, sendo que parte desse total foi originada em 16 transferências feitas por empresa da qual um dos peritos judiciais sob suspeita é sócio.

A documentação também destaca ação de desapropriação que envolveu uma imobiliária.

Uma das sócias da empresa recebeu do escritório Trama Sugiyama & Kasten repasse de R$ 30 milhões. Relatório do Coaf considerou a movimentação "atípica, incompatível com o perfil da cliente" e ainda com "indícios de burla/dissimulação de destino e beneficiário dos recursos".

Também chamou a atenção das autoridades financeiras o fato de um dos peritos judiciais ter contratado "diversos seguros de danos por pessoas físicas", que totalizaram R$ 9,4 milhões.

Em nota, a Dersa informou que "a quantia de R$ 1,3 bilhão refere-se à diferença entre os valores apurados pela companhia e aqueles produzidos por peritos judiciais" e que "todos os depósitos efetuados pelo Estado no curso das ações judiciais de desapropriação (...) cumpriram determinações judiciais".

A Dersa também sustenta que suas avaliações têm por base normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas e recomendações do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias.