Dia Mundial (pra pensar) sem carro

14/09/2016 14:30 - ANTP


Próximo ao Dia Mundial Sem Carro, não há como não refletir sobre os efeitos que o uso abusivo do automóvel causou a nossas cidades. Um uso, evidente, estimulado por políticas públicas de seguidos governos desde Juscelino Kubitscheck, sem exceção, e que sempre tiveram na indústria automotiva o foco central de suas ações.

Mas o mal está feito. De “setor mais protegido da economia brasileira” (palavras do diretor presidente do Insper, Marcos Lisboa) as montadoras espelham hoje o cruel retrato da crise em que o país está mergulhado. Antes que se armem medidas de salvação para perenizar um erro histórico, deveríamos aproveitar a chance para divulgar alto e bom som o que muitos sabem, mas insistem em minimizar (ou justificar): os nefastos efeitos da opção pelo transporte motorizado individual espetaram uma conta impagável para nossas cidades. 

Esta conta já foi (e continua sendo) mensurada em vários segmentos, que abarcam desde a saúde pública – o que passa pelos acidentes de trânsito, pelos assustadores efeitos ambientais e seus danos para as pessoas e o planeta, sem esquecer o sedentarismo, até desaguar na economia, ao tornar as cidades cada dia mais caras ao alargarem as distâncias e os tempos de percurso. A qualidade de vida despenca, consequência natural de uma comédia de seguidos erros humanos.

A cidade com a cara do carro é o local do concreto, que aparta as pessoas, que segrega classes, que afasta bairros, que subverte as receitas públicas. Uma máquina de sorver dinheiro, o hábito de utilizar automóvel provocou desequilíbrios monumentais. Se a maioria dos recursos públicos vai para estimular e justificar o uso do carro como transporte preferencial, é natural que o “primo pobre” da história – o transporte coletivo urbano – sofra as consequências, afinal sem dinheiro não há transporte público coletivo de qualidade (e a continuar assim, não haverá transporte público em quantidade suficiente).

É comum ouvir na imprensa (nos noticiários da TV principalmente) críticas seguidas à má qualidade dos serviços de ônibus e trilhos, como se isso fosse decorrente apenas de problemas de gestão ou até mesmo da má vontade do gestor. Mas é raro ouvir qualquer explicação sobre os motivos reais que nos trouxeram a tal situação.

Inverter uma história que começou errada, que permaneceu errada e insiste em se perpetuar, é a tarefa histórica que os gestores municipais precisam urgentemente assumir como questão central. Outras cidades já descobriram que é ilógico manter os privilégios do automóvel e, ao mesmo tempo, garantir cidades habitáveis, saudáveis e competitivas.  

Talvez sirva de estímulo – ou ao menos como lembrança – o fato de que há poucos dias completou-se um ano da promulgação da Emenda Constitucional 90/15, que garantiu o transporte como um direito social. Somada ao Código de Trânsito Brasileiro (lei de 23 de setembro de 1997), ao Estatuto das Cidades (2011) e à Lei da Mobilidade Urbana (2012), temos no papel motivo de sobra para enfrentar de vez uma alteração nos rumos dessa prosa. Esperemos que os candidatos, antes de mirar apenas no voto, pensem no compromisso histórico com as cidades que irão gerir.