Tecnologia nos sistemas de transporte público: pode muito, mas não pode tudo

07/06/2017 15:00 - ANTP

Matéria do jornal Valor Econômico desta semana (dia 5) descreve a tecnologia como um fator que pode favorecer uma maior integração entre os modais de transporte. Nesta matéria o coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV -Rio), Pablo Cerdeira, faz um alerta sobre outros importantes aspectos quando se trata desse assunto: as regulamentações para o transporte urbano entre Estado e prefeituras devem ser uniformes para o sucesso das interligações.

Cerdeira dá um exemplo: "Não adianta nada interligar uma ciclovia municipal com a malha ferroviária estadual se o trem proibir a bicicleta dentro dos vagões", ele explica.

Este pequeno exemplo demonstra o muito que falta para que os sistemas de transportes possam conversar entre si em benefício do cidadão que os utiliza. E a tecnologia sozinha não resolverá isso.

Além das diversas instâncias de poder, é importante lembrar as recentes concessões de serviços de transporte público de massa, que têm levado à criação de uma relação de poder entre dois entes, concessionário e poder concedente, inédita até agora na experiência brasileira.

Em um artigo escrito para o site da ANTP em 2013, Plínio Assmann destacava esta relação inédita:

Poder concedente e concessionário, além de serem legal e contratualmente corresponsáveis, somente poderão exercer seus compromissos enquanto ambos conhecerem e acompanharem, passo a passo, as operações do sistema e suas ‘caixas de reclamações’ virtuais. D’ora em diante cada vez mais virtuais. Pela moderna tecnologia de informação elas não têm hora, não têm recipiente, não usam papel. Elas são sempre. Também a atual TI permite, sem grande dificuldade, a identificação de usuários num trem retido em condição de emergência e dialogar com eles de per si, coisa que o operador, quando este houver, ou o CCO, não podem fazer individualmente”, escreve Assmann.

Esta intensa relação entre poderes, instâncias e sistemas, tem na tecnologia uma forte aliança, mas jamais a solução mágica.

A inteligência tão decantada por aqueles que se entusiasmam com soluções fantásticas precisa estar presente na gestão pública. Uma pesquisa coordenada no Brasil em 2016 pelo CEAPG-FGV EAESP, e na Espanha pelo Centro de Inovação do Setor Público da PwC e do IE Business School, apontou ser voz corrente entre cidadãos, gestores e especialistas que deve ser do poder público – destaque para as prefeituras -  o protagonismo na condução do processo de transformação das cidades inteligentes.

Parece claro que a chave para qualquer cidade que busca a inteligência tecnológica na gestão está num cidadão participativo, que tenha capacidade de interagir com seu ambiente. A isso se deve somar a transformação digital das cidades, condição sine quan non para se atingir a tão necessária sinergia social e tecnológica de onde (se espera) possa emergir a tão propalada inteligência, capaz de transformar esta junção em ações de desenvolvimento urbano.

Hoje, em muitas cidades brasileiras, o advento do Bilhete Único já permite saber o ônibus utilizado por cada cidadão, bem como o local e o horário de cada viagem. Esta é apenas uma simples consequência da quantidade de dados produzidos por estes sistemas, que no limite permitem a pesquisadores e desenvolvedores de programas (profissionais e amadores) a condição essencial para produzir aplicativos os mais variados, que facilitam o dia-a-dia do cidadão.

O uso de tecnologias nas cidades pressupõe, de saída, um engajamento coletivo: de um lado cidadãos ávidos por informação e, de outro, máquinas públicas transparentes e adequadas à rapidez com que a informação circula.

Imaginar-se que as cidades tornar-se-ão mais inteligentes por obra e graça da tecnologia é não levar em conta a urgente e necessária adaptação das equipes profissionais que atuam na outra ponta desse novelo: o servidor público. A tecnologia tem um limite. Aplicativos como Waze e similares, que visam facilitar a vida de motoristas, não resolvem os nós do trânsito. Pelo contrário, apenas indicam como fugir deles e, quando muito, permitem que o trânsito (para seus usuários) se torne um pouco menos ruim. O Waze serve ao automóvel, e não se preocupa, nem é sua missão, “cuidar” do transporte coletivo.

O que vemos hoje é um movimento desigual e que, por isso mesmo, precisa ser combinado: a velocidade da tecnologia, ao mesmo tempo em que puxa as mudanças nas diversas esferas da administração pública, precisa simultaneamente tornar-se aliada e auxiliar neste processo. O protagonismo das prefeituras municipais só poderá ser bem sucedido se, desde o início, os gestores souberem lançar mão da inteligência dispersa na sociedade. A começar aprendendo a ouvir e interpretar os diversos canais pelos quais os cidadãos de manifestam.

Como explica Plínio Assmann em seu artigo, “ao usuário do Metrô interessa que o serviço seja o melhor e um só. Que seja transportado igualmente, tratado igualmente e orientado igualmente seja quem for o operador das linhas que usa”.

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Em tempo: Plínio Assmann, além de fundador e primeiro presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) em 1977, foi presidente da Companhia do Metropolitano de São Paulo durante a construção e início da operação da primeira linha.